Hugo Carvana de Hollanda já havia estabelecido sua reputação como ator quando decidiu se exercitar pelo “outro lado”, o da direção, estreando com um exercício etnográfico sobre o jeitinho brasileiro de driblar as dificuldades... e a caretice. Virou cineasta em 1973 com uma comédia sobre a única forma de heroísmo pícaro possível no Brasil da ditadura militar: a malandragem. Como nem Pedro Malasartes, nem João Grilo, dois dos mais afamados símbolos da resistência pícara de DNA ibérico, teriam fôlego para resistir à mordaça dos anos de chumbo, Carvana resolve fazer de Secundino, o personagem central de seu Vai trabalhar vagabundo, um malandro escolado dos tempos da farda e dos (falsos) milagres econômicos, evocando toda a tradição física dos ícones de seu passado (Oscarito, Zé Trindade e Mesquitinha) para criar uma interpretação toda calcada na ginga corporal, num gestual engraçado. Dino (interpretado pelo próprio Carvana), picareta de carteirinha, ao sair da prisão, quer reunir os velhos amigos, salvar a sinuca da qual era fã e ter os dois comparsas de taco a seu lado: Babalu (Nelson Xavier) e Russo (Paulo César Pereio). Mas a vida tem sido madrasta para ambos. Porém, a lábia de Dino pode reverter a situação. E, graças a ela, Carvana ganhou prêmios (entre eles o Kikito de melhor filme em Gramado), conquistou vaga em Cannes (na Semana da Crítica) e se fundou como um diretor autoralíssimo cuja forma de expressão é a crônica. Uma crônica safada, crítica, bem-humorada e, acima de tudo, poética.
Rodrigo Fonseca é crítico de cinema, roteirista e professor de História do Cinema da Escola Darcy Ribeiro.
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