Publicado em 11/10/2015

Em A seita, primeiro longa-metragem do coletivo recifense Surto & Deslumbramento, o público é transportado para a Recife de 2040, acompanhando o retorno e a redescoberta da cidade por um jovem dândi vindo das colônias espaciais, lugar em que o sono (e o sonho) são prevenidos por meio de uma vacina obrigatória. De volta ao presente, o Cine Encontro recebeu ontem (10 de outubro), após a exibição do filme no CCJF, o diretor André Antônio e a produtora Dora Amorim para um bate-papo mediado por Mariana Baltar, professora do departamento de Cinema e Audiovisual da UFF.

Baltar iniciou a conversa destacando o que julga ser a chave principal para a compreensão de A seita: a figura do dândi, jovem intelectual com refinado senso estético que escolhe viver a vida de maneira leviana e superficial, rejeitando o ideal de produtividade imposto pela sociedade e se dedicando apenas ao prazer. Essa figura, prosseguiu, seria uma resposta às pressões sociais contraditórias que oprimem o homem moderno, do tipo que surge nos momentos de maior crise. Baltar ainda apontou que a mistura de excesso (espetáculo visual, com direção de arte e iluminação que chegam a disputar o protagonismo com os atores em cena) e lentidão (planos fixos, longos e silenciosos nos quais quase nada acontece), combinada ao flerte com as regras clássicas da ficção científica, provoca no público uma experiência muito semelhante à que vivencia o próprio personagem.

André Antônio acrescentou que os aspectos cruciais na figura do dândi são sua frieza e frivolidade, que caem como uma luva no projeto de cinema irreverente e debochado do Surto & Deslumbramento. O diretor aproveitou ainda para contar as origens da obra, revelando que durante a infância morou em um bairro decadente de Recife, que parecia uma cidade fantasma aos domingos. Foi a fascinação pelo mistério desse cenário em ruínas que o fez retornar a ele, para usá-lo não como espaço de denúncia, mas de beleza e prazer, em um futuro profundamente nostálgico.

Questionado pelo público sobre o contraste entre o excesso e os enquadramentos e movimentos extremamente econômicos, Antônio esclareceu que toda a mise-en-scène foi pensada para refletir a afetação do dândi, a distância e o cinismo de quem não se emociona nem se apaixona. “Eu queria uma câmera fria”, concluiu. O diretor acrescentou que a repetição de planos idênticos, outra característica marcante em A seita, é proposital, empregada para gerar uma temporalidade cíclica, uma noção do futuro como repetição do passado.

Respondendo a perguntas sobre o futuro, Dora Amorim contou que as salas de exibição do circuito de cinema tradicional estão definitivamente dentro dos planos de distribuição, assim como meios mais alternativos, como os cineclubes e até a esfera online.

Mariana Baltar enalteceu a força política do deboche, e a importância de despertar no espectador um olhar “crítico, bicha e brega” de recusa ao bom-mocismo e elogio à fabulosidade. E finalizou o debate citando Baudelaire: “Que o leitor não se escandalize com essa gravidade no frívolo e que se lembre de que existe grandeza em todas as loucuras, uma força em todos os excessos”.  

Texto: Clara Ferrer

Fotos: Natália Alvim




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