Publicado em 10/10/2015

O longa A morte de J.P. Cuenca foi exibido no CCJF na tarde de ontem (sexta, 9), em mais uma sessão do Cine Encontro. Após o filme, houve um debate mediado pela jornalista Flávia Guerra em que foram discutidas questões referentes à produção da obra.

O filme, que faz parte da mostra Novos Rumos, narra a investigação em torno de um caso de roubo de identidade, no qual um cadáver foi identificado como o escritor João Paulo Cuenca com a ajuda de uma testemunha que possuía sua certidão de nascimento. O próprio Cuenca escreveu, dirigiu e atuou na recriação da sua história, valendo-se das locações e pessoas reais envolvidas.

O debate se iniciou com Guerra comentando sobre a natureza dúbia da produção, que passeia entre a ficção e o documentário. Cuenca afirmou que nunca quis traçar uma linha concreta entre o real e o ficcional. Os espectadores, segundo ele, costumam achar que os não atores da trama são intérpretes profissionais. O objetivo, de fato, era provocar no público uma confusão semelhante à sua própria quando leu um atestado de óbito contendo seu nome. “A realidade é tão absurda que parece ficcional. É difícil, como ficcionista, competir”, afirmou o diretor.

Guerra destacou as performances dos não atores, incluindo a de Cuenca, repletas de hesitações característas da fala cotidiana. O realizador explicou que isso se deve à frequente utilização dos primeiros takes rodados, procurando trazer frescor e realismo às cenas. O cineasta Felipe Bragança, que serviu de consultor em A morte de J.P. Cuenca, contou que houve muitas conversas em torno da teoria do papel social formulada pelo documentarista Eduardo Coutinho, na qual os atores não profissionais, por estarem atuando dentro de suas próprias profissões, geralmente se mostram confortáveis e acostumados com o vocabulário e a mise-en-scène típicos das suas áreas.

A mediadora, em seguida, apontou a concepção comum de que documentários se escrevem na montagem e perguntou como havia sido o processo nesse amálgama de gêneros. Marina Meliande, montadora do filme que também exerceu a função de produtora, disse que havia um roteiro bastante definido, mas que dependia de localizarem e contarem com a colaboração das pessoas que participaram do caso. Para ressaltar a importância de Meliande na produção, Cuenca recordou, de maneira bem humorada, da cena em que seu alter ego fílmico discute sua falsa morte em um bar com o colega Paulo Roberto Pires. Durante a filmagem de diversos ângulos, ambos acabaram bastante bêbados, cabendo à montadora criar uma conversa que fizesse sentido entre as ébrias falas dos dois.

Ana Flavia Cavalcantti, única atriz profissional do elenco, contou que estava bastante nervosa no início por este ser seu primeiro trabalho no cinema, e ainda junto a um elenco de primeira viagem. Porém, conforme ocorriam as filmagens, foi entendendo que sua performance dependeria de uma relação íntima com a de Cuenca, principalmente nas cenas em que seus personagens dividem um apartamento, nas quais há uma atuação muito focada nos gestos, com poucos diálogos. Segundo Cavalcantti, ainda há um estranhamento por parte do público brasileiro com histórias que fazem uso do silêncio, devido a um condicionamento causado por produções televisivas e seu excesso de diálogos explicativos.

Cuenca finalizou o debate relacionando as locações do Rio de Janeiro ao conteúdo do filme, contando que, durante a pré-produção, ele e Bragança perceberam que todos os locais envolvidos no caso se encontravam em um raio de quatro quarteirões, no bairro da Lapa. Assim, o processo de gentrificação pelo qual passa aquela região se relaciona diretamente com a questão pessoal do protagonista. “Aquele é o coração da crise de identidade da cidade, sendo morta para ser reconstruída”, como o próprio J.P. Cuenca.

Texto: Vinícius Spanghero

Fotos: ciadafoto



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