Um mercado de carne humana A exibição do documentário Chicas nuevas 24 horas no Cine Encontro teve caráter de denúncia de uma realidade que também é brasileira
Antes mesmo do início da sessão, a diretora Mabel Lozano deixou claro que Chicas nuevas 24 horas não é só um filme, mas uma denúncia social. O documentário, filmado em países como Espanha, Paraguai, Colômbia, Peru e Argentina, expõe a rede de tráfico de mulheres para prostituição existente na América Latina. Maiores e menores de idade, elas são iludidas pela promessa de dinheiro fácil e acabam em uma situação de escravidão.
Lozano contou que a ideia para o filme surgiu de uma frustração compartilhada com a corroteirista Susana Fernandez: ambas almejavam fazer com que os políticos espanhóis entendessem a gravidade da situação. Ativistas no país que é um dos principais destinos das vítimas, as duas decidiram inserir uma master class de negócios dentro do documentário, intercalando-a aos depoimentos. Relacionando o tráfico de mulheres a uma lógica capitalista de lucro máximo a um custo mínimo, o objetivo era fazer uma exposição didática do problema.
Yone Lindgren, fundadora da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, aproveitou para associar o tema à realidade brasileira, na qual meninas, mulheres e transsexuais são levadas para a Europa com ajuda das famílias, já que essas em geral recebem com regularidade o dinheiro ganho pela exploração das vítimas, o que é uma situação atípica. Lozano disse que o plano era filmar no Brasil, mas informou ter sido dissuadida por autoridades e até mesmo ONGs devido à proximidade da Copa do Mundo de 2014, havendo uma preocupação de que obras dessa natureza pudessem manchar a imagem do país.
Em um esforço para fazer com que o filme seja o início de um movimento transformador, a diretora disse que entrou em contato com o Congresso do Paraguai, e que 1500 cópias do documentário serão dubladas em guarani para exibição em instituições indígenas, de onde muitas mulheres são levadas para o tráfico.
Autodeclarada abolicionista, Lozano afirmou ser contra qualquer forma de prostituição, que enxerga como uma escravidão da mulher. O público, por sua vez, lembrou que há mulheres que se prostituem por vontade própria e gostam de sua profissão. A diretora respondeu que, mesmo por trás de um aparente voluntariado, existe sempre uma situação de pobreza e violência. Fernandez interviu dizendo que o foco na questão do tráfico de mulheres não é necessariamente a prostituição em si, mas a violação dos direitos humanos e a restrição da liberdade, pois nesse mercado “a mulher é um pedaço de carne, substituída por conta de qualquer avaria que sofra ou qualquer questionamento que faça”.
Texto: Vinícius Spanghero
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