Publicado em 11/10/2016

Por Carlos Alberto Mattos

Curumim se vale de um dos mais eficazes dispositivos do documentário, que é a confiança do personagem no diretor. Marco Archer, o “Curumim”, traficante brasileiro condenado na Indonésia em 2004 e executado em 2015, gravava imagens dentro da prisão na confiança de que o amigo Marcos Prado saberia escolher o melhor para fazer o filme da sua vida. Falava para a câmera, aparecia cozinhando, dançando e mostrando a decoração da cela. Atuou até como entrevistador de um companheiro italiano que caiu nas malhas da polícia indonésia ao tentar ajudá-lo. Três dias antes de ser fuzilado, Marco e Marcos ainda conversavam pelo áudio do skype. Com isso, o documentário supera o extremo isolamento do presidiário no corredor da morte e oferece o autorretrato de um homem dramaticamente extraviado.

Archer, um autêntico “menino do Rio”, tinha tudo para ser feliz: família rica, boa figura, talento esportivo. Mas o envolvimento com o tráfico de drogas o colocou na rota do perigo. A asa delta, que lhe tinha rendido dois acidentes graves, causou um definitivo quando a alfândega de Jacarta detectou 13 quilos de cocaína nos tubos da que ele levava. Archer morreu esperando que o dinheiro da venda de um apartamento da família pudesse corromper mais alguém e livrar-lhe da morte. Não rolou.

Marcos Prado fez um filme duro, que não escamoteia a condição trágica de Archer, nem a estupidez que adquire tonalidades patéticas depois de 11 anos de prisão, dividindo celas com terroristas islâmicos e assassinos perigosos. Além dos selfies em movimento, que ele usava para “expor meu problema” e também enviar recados para amigos e familiares, o filme incorpora memórias escritas e cartas, além da soturna encenação de uma execução. Não se fala dos esforços do governo Dilma no sentido de obter a misericórdia da Justiça indonésia para o primeiro brasileiro sentenciado à morte no exterior. Curumim  não é um filme de contextualização, mas de composição de um personagem. Alguém que não foi herói nem mártir, mas simples exemplo da dilapidação de uma vida pela inconsequência e a imprudência.




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