Publicado em 08/10/2017

Texto de Thayná Almeida


Torquato Neto – Todas as Horas do Fim, em exibição no Festival do Rio, é mais um exemplar de um subgênero em franca popularidade comercial no cinema brasileiro recente, o documentário biográfico, especialmente devido à sua facilidade de adaptação a diferentes janelas de exibição, como a televisão e a internet. 

O filme de Eduardo Ades e Marcus Fernando dedica-se ao poeta, letrista, jornalista e cineasta Torquato Neto, que se matou com 28 anos, apresentando-lhe dentro das convenções mais banais, como uma figura permeada por questões existenciais - artista profundo num documentário simples, que pode ser um produto de sucesso nas salas de cinema ao Netflix. 

As convenções que propiciam essa facilidade de consumo em diversas plataformas permitem o tipo de comunicação imediata com o público capaz de tirá-lo do lugar que habita e, por um instante, ser capaz de um gesto de empatia, de compreender uma figura singular, que atuou na contracultura das décadas 60 e 70 dentro de manifestações artísticas como a Tropicália e o Cinema Marginal. 

É uma oposição simplista essa, que acredita que para aproximar-se de uma personalidade complexa é necessário didatismo, numa colagem de depoimentos cuja estrutura tradicional é disfarçada por efeitos de imagem, sobretudo a granulação e a supressão da sincronia entre imagem e som – vemos o autor de uma fala, mas não o momento da fala em si, apenas o som. 

A estrutura do filme, nesse caso, revela uma insuficiência, já que, menos sustentada pela memória advinda de Torquato e mais por lembranças de amigos concatenadas em montagem linear, é incapaz de encerrar o artista dentro da soma do que vemos na tela, conforme parece ser seu objetivo. 

O documentário talvez pudesse reconhecer a limitação do seu didatismo e deixar visíveis possíveis lacunas da memória, o entremeio, o dúbio que é este lugar de incerteza gerado pela reconstituição da vida de uma pessoa morta há décadas. A linearidade do filme nega ao público, portanto, a possibilidade de permanecer neste lugar, instigado a entender melhor o artista ao mesmo tempo em que se conforma com a impossibilidade de que este entendimento seja total.

Os poucos momentos de sucesso desta colagem de memórias são aqueles alcançados pela montagem, ao interpolar alguns depoimentos mais fortes, no sentido emocional, à obra musical de Torquato, especialmente com a utilização de interpretações de Gal Costa. Tais momentos são tocantes e ao mesmo tempo distanciadores, pois revelam uma busca do filme pela obra de Torquato para preencher espaços de incerteza. Por mais bonita que seja a obra do poeta, ela torna-se, no filme, apenas um artifício, uma muleta narrativa. 

É esta a marca da falha do filme: apesar de ser capaz de apresentar um artista importante a gerações pouco familiarizadas com ele, comete o erro de tentar domar uma personalidade dentro de uma narrativa simplória e de usar suas letras como joguete. 





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