Todos os delírios da poesia de Dylan Thomas O diretor de Dominion, sobre os últimos dias do poeta, fala sobre seu filme
FESTIVAL DO RIO ENTREVISTA
STEVEN BERNSTEIN, diretor de DOMINION
Os últimos dias do poeta britânico Dylan Thomas tornaram-se uma lenda cheia de mistérios. Mas o diretor americano Steven Bernstein não está interessado em resolver estes mistérios. Seu novo filme, Dominion, conta a história da morte de Thomas em Nova York depois de beber 18 doses duplas de uísque na taberna The White Horse, apenas para misturar esses momentos com o delirium tremens de uma mente completamente alcoolizada e a poesia inebriante do poeta.
O resultado é um filme que fascina a plateia pela alta voltagem e a qualidade da interpretação de grandes atores, como Rhys Ifans, um intérprete muito conhecido da poesia e das peças para rádio de Dylan Thomas em teatros do Reino Unido. Rhys interpretou recentemente Captain Cat em Under Milk Wood (uma das mais famosas peças radiofônicas de Dylan Thomas), dirigido por Kevin Allen. Além de Rhys, estão no elenco John Malkovich, Rodrigo Santoro, Tony Hale, Romola Garai, Zosia Mamet. Rodrigo Santoro interpreta um personagem misterioso e teve que aprender a dançar tango para fazer o filme. A cena da dança é pura sensualidade.
Steven Bernstein iniciou sua carreira como diretor em 2014, com o filme Decoding Annie Parker (com Helen Hunt, Samantha Morton, Aaron Paul), depois de uma longa experiência como cinematographer, em filme como Monstros (2003) e Como Água Para Chocolate (1992). Seu novo filme será exibido no Cine Odeon, no dia 7 de outubro, às 21h.
FESTIVAL DO RIO: Seu filme nos dá a oportunidade de conversar sobre um dos grandes poetas modernos britânicos. Dylan Thomas sempre foi uma figura controvertida. Sua morte em Nova York foi cercada de mistério. Ele vivia bêbado e morreu com apenas 39 anos, depois de entrar em coma na taberna The White Horse em Nova York. Estava no meio de uma excursão para fazer palestras e leituras de poesia nos Estados Unidos. Você escreveu também o roteiro do seu filme. A sua versão dos últimos momentos de Dylan Thomas foi baseada em alguma biografia do poeta?
STEVEN BERNSTEIN: Meu filme poderia ser uma cinebiografia, mas não é. Pelo menos não no sentido tradicional. Eu não tinha interesse em recontar a história de Dylan Thomas. Eu estava mais interessado em sua sensibilidade singular e naquilo que produziu sua genialidade e, ao mesmo tempo, seu impulso de autodestruição.
Nós tendemos a ver a história como uma série de eventos que ocorrem numa certa ordem. Mas eu sugiro que nós percebemos o mundo através de uma moldura que se compõe da memória, da experiência e da fantasia. Para um artista obcecado em compreender o mundo, que tinha a mente constantemente anestesiada pelo álcool, como é que o real é vivenciado?
FESTIVAL DO RIO: Como foi feita a sua pesquisa sobre as circunstâncias da morte de Dylan Thomas?
STEVEN BERNSTEIN: Dylan Thomas tomou 18 doses duplas de uísque numa noite na taverna White Tavern, Na minha história, ele dá para cada drink o nome de uma experiência ou de uma ideia importante para o poeta. Quando ele bebe, a bebida começa a afetar sua percepção, e suas memórias e fantasiasse misturam no interior de uma viagem íntima do poeta. Por isto, o filme não é baseado em biografias e sim na compreensão do mundo poético de Dylan Thomas.
FESTIVAL DO RIO: Você se inspirou na performance de Rhys Ifans em Under Milk Wood no filme de Kevin Allen?
STEVEN BERNSTEIN: Rhys Ifans interpretou Captain Cat em Under Milk Wood, peça escrita por Dylan Thomas e que foi filmada depois de Dominon. Eu não tive oportunidade de ver o filme, mas suspeito que é ótimo.
FESTIVAL DO RIO: E como foi a sua dinâmica com Rhys Ifans?
STEVEN BERNSTEIN: Rhys é um ator internacional. A dinâmica com Rhys Ifans foi fantástica. Nós passamos várias semanas discutindo personagens de Thomas e desenvolvemos um método de trabalho no set de filmagem que permitiu Rhys incorporar seu personagem completamente. Houve algum improviso, para dar a ele um sentido de liberdade, ainda que 99% do que acabou na tela veio do roteiro escrito. Eu deixei claro que se ele se esquecesse de uma fala ou outra, isso não importava, o que importava na filmagem era que Rhys incorporasse Thomas. Muitas vezes tivemos filmagens com o pessoal da equipe falando ao fundo, o que tornou esses momentos inaproveitáveis. Mas esses momentos permitiram que Rhys encontrasse o tom certo e se sentisse incorporando seu personagem. Ele tinha que falar acima do burburinho do ambiente e reagir a esse burburinho. Isto mudou a performance de Rhys, com certeza.
FESTIVAL DO RIO: Como foi filmar em Montreal?
STEVEN BERNSTEIN: A equipe de Montreal foi brilhante. Entre as filmagens ninguém falava, exceto um ou outro sussurro, porque filmamos uma cena atrás da outra, com uma rápida pausa. Aprendi a fazer isto quando estava filmando Monsters, como diretor de fotografia. A cena de despedida de Charlize Theron e Christina Ricci foi filmada em silêncio completo, não apenas durante as tomadas de cena como também entre as cenas. A equipe compreendeu a importância do silêncio e colaborou completamente, o que facilitou muito o trabalho dos atores.
FESTIVAL DO RIO: E como os atores, que gostam de improvisar, encararam um roteiro longo, cheio de poesia?
STEVEN BERNSTEIN: No meu filme trabalhamos com um roteiro longo, com muitas palavras. Poucos roteiros têm mais palavras. John Malkovich sugeriu que NENHUM roteiro teve mais palavras. Talvez uma peça de Tom Stoppard. Mas, para a intensidade de Rhys, para o seu rigor intelectual, era preciso ter todas aquelas palavras. Ele tinha muito foco e uma incrível gama de sentimentos para expressar. E produziu um trabalho incrível, como eu nunca tinha visto. É mais do que uma performance. Rhys é um ator cujo trabalho é internacionalmente conhecido. E no final ele estava tão cansado fisicamente e envolvido emocionalmente que eu pensei que ele teria dificuldade em terminar o filme. E a cada dia ele chegada no set de filmagens e produzia de novo aquele desempenho maravilhoso. E ainda emendou as novas filmagens com um outro filme... Impressionante. Na verdade, o elenco é maravilhoso. Tony Hale é conhecido como um comediante, mas está brilhante na pele do poeta e crítico americano Malcolm Brinnin. Também Zosia Mamet, (filha de David Mamet, que é cineasta e autor de teatro) está emocionante como uma personagem trágica. John Malkovitch foi um colaborador muito especial. Ele é um dos produtores do filme. E compreendeu muito bem o que seu personagem significava no filme. Malkovitch tem um senso de humor brilhante, uma habilidade única como ator.
FESTIVAL DO RIO: Você recriou o ambiente da taverna The White Horse para o filme? Como é o personagem de Rodrigo Santoro? Ele interpreta um personagem real ou imaginário?
STEVEN BERNSTEIN: Eu nunca tinha trabalhado com Rodrigo antes. Ele é um ator muito especial e nós nos tornamos amigos. Na verdade, Rodrigo é um ator de atores. Para ele, tudo gira em torno da preparação. Nós conversamos muito sobre a história de seu personagem. Construímos uma história que teve uma 60 páginas escritas. E Rodrigo aprendeu a dançar o tango, e ele dança maravilhosamente. Mas o mais difícil foi saber que ele deveria manter secreta a sua identidade tanto diante de Dylan quanto para a plateia, até o climax do filme. A transição é mágica e a confrontação entre os dois, Dylan e o personagem de Rodrigo, é um dos momentos-chave do filme.
FESTIVAL DO RIO: É verdade que o médico deu "injeções" a Dylan Thomas para que ele pudesse completar as suas apresentações públicas em Nova York?
STEVEN BERNSTEIN: No que se refere ao médico, bem, a verdadeira questão é como tratar uma celebridade. Dylan Thomas foi uma das primeiras "celebridades" da história, no sentido moderno do termo. Celebridade é alguém que atrai o olhar dos outros porque se torna um meio fácil para que os outros conheçam o sucesso. Daí a vontade de estar ao lado de uma celebridade. Alguém poderia dizer que todo mundo está usando alguém, e que ninguém enxerga no outro uma pessoa e sim um meio de obter sucesso. Talvez fosse este um dos grandes medos de Dylan Thomas, o de descobrir que aqueles que o amavam não compreendiam o seu trabalho e que aqueles que compreendiam o seu trabalho não gostavam dele de fato. Tudo é uma grande sedução no filme. E sedução não tem a ver com amor...
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