Publicado em 11/10/2024


Serra das Almas, de Lírio Ferreira

Por Rodrigo Torres

Lírio Ferreira começou o debate do filme Serra das Almas, na tarde da última quinta-feira (10), com uma citação elogiosa e bem-humorada que seria a tônica de toda a conversa: “Tem uma frase do grande diretor John Ford que fala: ‘A direção de arte dos meus filmes é o rosto do meu elenco’”, diz ele, reverenciando o elenco afiado do seu thriller de ação e apresentando os atores presentes um por um: David Santos, Vertin Moura, Ravel Andrade, Jorge Neto, Julia Stockler, Pally Siqueira e Tássia Dhur. 

O cineasta pernambucano fez questão de exaltar não só o elenco, como toda a equipe presente no Cine Odeon, por gratidão ao trabalho de todos eles — que facilitaram um trabalho que parecia árduo naquele contexto recém-saído da pandemia. “Foi um filme muito difícil de fazer. Nesse momento todo, nós, a equipe e o elenco criamos uma família. Nós ficamos pouco em Recife, passamos a maior parte do tempo no agreste de Pernambuco, e eu acho que isso foi muito importante, esse gás, e isso está na tela, nos olhos do elenco, no esforço da equipe... Enfim, estou emocionado e feliz com o resultado”, disse Lírio.


Lírio Ferreira (de azul) e seu grande elenco no filme Serra das Almas — Foto: Kayane Dias/Festival do Rio 2024

“Quando a gente fazia uma cena, e aquela cena ficava boa, o Lírio chegava na gente e dizia: ‘Essa cena ficou muito boa, muito boa mesmo… Agora vamos botar pra f*der!’ E isso levava a gente para um lugar além do que a gente imaginava”, conta Ravel Andrade, exaltando o trabalho do diretor para soltar o elenco e, ainda mais importante, diversificar sua carreira – que vinha sendo marcada por papéis específicos, baseados em um perfil estabelecido pela indústria. 

“Em nossa carreira, tem essa história de que cada ator tem um perfil de personagem. É muito ruim, mas isso existe, de modo que a gente vai fazendo um personagem atrás do outro que são todos muito parecidos, se a gente não tomar cuidado com a nossa carreira”, diz Ravel, contando que ele, por exemplo, vinha fazendo “muito personagem com problemas com o pai”.

“Fazer esse filme com o Lírio — que é um cineasta que eu admiro muito, que tem alguns dos filmes mais importantes do cinema brasileiro — me tirou desse lugar comum e me atirou em um lugar que eu desconhecia. É um presente poder trabalhar com ele, e com ele poder trabalhar essa versatilidade em nós mesmos”, disse Ravel, que exaltou também como a colaboração entre os membros do elenco ajudou uns aos outros de maneira recíproca.


Ravel Andrade em Serra das Almas, de Lírio Ferreira

“Esse encontro foi o ponto-chave da construção toda desse filme,” completou a atriz Pally Siqueira. “Por mais que o filme tenha uma pegada violenta, rock’n’roll, de batidão na sua cabeça, nos bastidores, a produção foi marcada por muito carinho e amor, sabe? A equipe inteira queria estar ali, fazendo tudo da melhor forma possível, e acho que isso foi o grande tempero responsável pelo resultado que vocês viram”.

A maranhense Tássia Dhur destacou a alegria de trabalhar em uma produção nordestina, ainda mais com Lírio Ferreira, mesmo que fazendo uma ponta em Serra das Almas: “Fazer uma participação é muito difícil, porque você chega no set, todo mundo já criou conexões e você não conhece ninguém. Mas eu fiquei muito feliz. Lírio foi super cuidadoso no set, super aberto… Eu gravei uma diária, e ele me deu todo o espaço para ter uma cena especial”, disse ela, agradecendo também à montagem pela importância que sua participação ganhou no corte final do filme.

Jorge, Julia e Ravel: admiração e sorrisos entre o elenco de Serra das Almas — Foto: Kayane Dias/Festival do Rio 2024

Na plateia, o público, majoritariamente, reagia com aplausos fortes a cada declaração, fazendo perguntas sobre esse “filme muito louco” que para eles lembrou Bacurau (2019) e Quentin Tarantino. Assim como no já clássico Cães de Aluguel (1992), um roubo faz um grupo de amigos desajustados se reunir e iniciar uma sucessão de violências entre si em Serra das Almas. Em outro núcleo, o oposto acontece: as mulheres iniciam afastadas e se aproximam gradativamente.

“Uma das coisas bonitas desse filme é como a relação entre as mulheres vai se construindo através das mulheres. E de uma palavra que é muito bonita: cuidar. Isso vai acontecendo aos poucos… Elas quase não falam, mas, enquanto um homem está matando, a mulher está alimentando. Eu acho riquíssimo como atriz viver personagens que defendem essa relação entre as mulheres”, diz Julia Stockler, do multipremiado A Vida Invisível (2019), exaltando “essa poética do Lírio” e do roteiro de Maria Clara Escobar, Paulo Fontenelle e Audemir Leuzinger. “De um lado, você tem os ‘brothers’, que se matam; e, do outro, as mulheres, que não se conhecem, e se cuidam”, ela completa.


Serra das Almas, de Lírio Ferreira

Por fim, Lírio Ferreira exaltou seus concorrentes na mostra competitiva de longas-metragens de ficção do Festival do Rio 2024: “Eu vejo essa safra belíssima como filmes pós-pandêmicos. Esses filmes foram pensados na pandemia, filmados logo depois, e todos carregam um pouco disso, essa coisa que a gente ainda não digeriu direito… A gente estava doente, o mundo estava doente e o país também estava doente politicamente, tanto na pandemia, quanto nas eleições, e eu acho que isso é muito significativo no filme: o tempo em que ele foi feito”, diz Lírio, que aproveita para explicar a mensagem contida em Serra das Almas.

“Todo filme é um retrato do seu tempo, e isso influiu demais no roteiro. Se a gente não tivesse dado uma virada, conseguindo distribuir a vacina e tirar aquele traste do poder, talvez a gente não tivesse uma mensagem de esperança no final. Como a gente conseguiu fazer tudo isso, o filme carrega essa esperança desajustada. É mais ou menos essa a mensagem que eu tenho do filme.”

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