Publicado em 06/10/2024

No Céu da Pátria Nesse Instante, de Sandra Kogut
No Céu da Pátria Nesse Instante, de Sandra Kogut

Por João Vitor Figueira

A projeção de No Céu da Pátria Nesse Instante começa com a reprodução de um áudio que, em outra obra, talvez fosse descartado antes do corte final por nem precisar estar lá. Na gravação, uma mulher, convidada a participar do documentário de Sandra Kogut, faz perguntas desaforadas e carregadas de desconfiança, insinuando que a diretora tenha uma posição política que ela considera “comunista”.

Durante um bate-papo com o público na noite do último sábado (5), no cinema Estação NET Rio, a diretora contou que produzir este filme sobre a polarização política no Brasil foi um trabalho que passou por muitas reinvenções. No meio do processo, ela entendeu que tratar da dificuldade de se comunicar também deveria ser um dos temas do seu longa-metragem, que faz parte da mostra O Estado das Coisas no 26º Festival do Rio e foi exibido ontem como parte do programa da Première Brasil Debates

Na tela, a diretora apresenta um Brasil marcado por tensão e incerteza, onde realidades opostas coexistem, mas raramente se reconhecem como válidas. O longa traz um retrato intimista de militantes que, sejam petistas ou bolsonaristas, compartilham um pouco de suas esperanças e de seus muitos temores. Os eventos registrados culminam nos ataques ao Congresso Nacional, Palácio do Planalto e STF em 8 de janeiro de 2023, um dos maiores desafios à democracia brasileira na história recente do país.

Sandra Kogut e a mediadora Consuelo Lins no debate sobre o filme No Céu da Pátria Nesse Instante no Estação NET Rio - Foto: João Vitor Figueira
Sandra Kogut e a mediadora Consuelo Lins no debate sobre o filme No Céu da Pátria Nesse Instante no Estação NET Rio - Foto: João Vitor Figueira

“Todo mundo estava vivendo a mesma coisa, todo mundo estava com medo e com essa sensação de estar vivendo uma coisa muito decisiva”, avaliou a diretora. “Tinha um certo espelhamento e o que eu acho mais interessante é olhar para a impossibilidade e dificuldade dos dois lados se comunicarem. O terreno comum era o medo.”

Na conversa, mediada pela professora Consuelo Lins, da Escola de Comunicação da UFRJ, Kogut ressaltou que No Céu da Pátria Nesse Instante é uma obra cinematográfica, não uma reportagem jornalística, e por isso “não tem a pretensão de achar a verdade” e nem precisa buscar um equilíbrio entre as duas partes. Durante o processo, a cineasta conta que percebeu que a dificuldade de construir pontes com fontes bolsonaristas também era um dos temas do documentário.

Cartaz de No Céu da Pátria Nesse Instante
Cartaz de No Céu da Pátria Nesse Instante

“O filme não é militante. Esse filme não tem uma missão, ele tem uma pergunta, uma vontade genuína de entender o que essas pessoas estão pensando, mas eu não vou fingir uma neutralidade”, conta a diretora, que em alguns momentos rebate um dos participantes, que divulgava informações falsas sobre o processo eleitoral. “Não queria fazer um filme que fosse uma briga”, conta a cineasta, que comenta que essas interações só ganharam a montagem quando a questão do entendimento mútuo ficou “no limite do suportável”.

Ainda assim, a diretora tomou muito cuidado para não demonizar nenhum dos personagens e apresenta uma obra que permite que o público, imbuído de um olhar mais humano, possa encontrar alguma conexão até com figuras que têm posicionamentos políticos discordantes dos seus.

Sandra Kogut (centro) com algumas das personalidades que participam do documentário No Céu da Pátria Neste Instante, na sessão de gala do filme realizada na última sexta (4), no cinema Estação NET Gávea - Foto: Claudio Andrade
Sandra Kogut (centro) com algumas das personalidades que participam do documentário No Céu da Pátria Neste Instante, na sessão de gala do filme realizada na última sexta (4), no cinema Estação NET Gávea — Foto: Claudio Andrade

Consuelo Lins, que trabalhou com o saudoso Eduardo Coutinho como pesquisadora em Edifício Master, pontuou algo que o documentarista costumava dizer e que se aplica ao trabalho que Kogut apresenta em No Céu da Pátria Nesse Instante. “Ele dizia que tentava entender a razão do outro sem lhe dar razão, por exemplo, quando uma personagem dizia que não existia pobreza no Brasil. Acho que a Sandra faz esse exercício”, disse a professora.

Quando o debate foi aberto para perguntas, o público elogiou a montagem paralela que o filme traz apresentando os bastidores do processo eleitoral, com funcionários do TSE levando urnas e gerenciando zonas eleitorais em zonas remotas do país. “É muito bacana ver o trabalho dessas pessoas, é um lado do Brasil muito emocionante. A questão da democracia deixa de ser um debate retórico para ser algo que podemos ver”, avalia a cineasta. “É importante tirar da democracia esses conceitos mais abstratos e mostrá-la de forma muito mais concreta.”

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