Rodrigo Santoro fala sobre sua atuação em Dominion O ator vive o antagonista do poeta Dylan Thomas no filme de Steven Bernstein
FESTIVAL
DO RIO ENTREVISTA
RODRIGO SANTORO, ator de DOMINION
Um dos destaques da programação do Festival do Rio 2016 é Dominion, do diretor americano Steven Bernstein. O longa-metragem, que conta o último dia de vida poeta Dylan Thomas se embebedando em um pub de Nova York, tem Rodrigo Santoro como Carlos, um discreto barman. Cada dose servida conduz o espectador a um mergulho na vida conturbada e inebriante do escritor, interpretado por Rhys Ifans.
Desafiador, o roteiro traz cenas de embates intelectuais e referências a grandes nomes da literatura mundial. Para viver seu personagem, o antagonista da trama, Santoro passou por uma intensa preparação – nos moldes de ensaios de teatro. E além disso, ainda teve que aprender a dançar tango para a cena mais sensual do filme.
Dominion teve sua estréia em uma sessão de gala no Odeon, na noite de 7 de outubro, com a presença do ator e do diretor. O longa-metragem volta a ser exibido no dia 13/10, às 19:20, no Kinoplex São Luiz 4 (Largo do Machado) e dia 17/10, às 17h15, no Roxy 2, em Copacabana.
FESTIVAL DO RIO - Para quem ainda não assistiu a Dominion, quem é o Carlos, este personagem inicialmente misterioso e depois tão fundamental para a trama?
RODRIGO SANTORO - O melhor do Carlos é que eu não preciso definir. Não dá pra fazer um perfil dele igual a gente às vezes precisa. Ele exerce a função de antagonista e se revela durante a história. Por isso eu acho que não dá para defini-lo. Ele se apresenta sob a embalagem de um barman confidente do Dylan Thomas. Um ouvinte, um observador, que vai encontrando a sua voz, o seu discurso ao longo da história. E quando ele chega à sua conclusão, o que ele tem a dizer não é o que o protagonista quer escutar. E aí nós chegamos a um ponto onde ele vem com muita certeza no seu discurso, mas também fica para o espectador decidir se concorda com o que ele está dizendo, se concorda com o Dylan Thomas, ou com nenhum dos dois. Essa é a beleza dessa narrativa. E qual é a verdade? A verdade fica para o espectador. Cada um escolher o que acredita. O que concorda ou discorda.
FESTIVAL DO RIO - O diretor escreveu muitas páginas contado a história do personagem, informações essas que não chegam a ser reveladas para o público. Qual a origem do Carlos, antes dele estar ali no balcão do White Horse?
RODRIGO SANTORO - Era um imigrante, não necessariamente de um lugar específico, que veio para Nova York naquela época. Tinha uma tia que ele cuidava, uma filha. E ao mesmo ele tempo ele tentou escrever mais não conseguiu. Ele fala que foi a Columbia University. Não me lembro de todos os detalhes porque tinham muitos. O Steven é extremamente detalhista, é genial! Vou chamá-lo para escrever o perfil dos personagens todos que eu tiver porque é um escritor. E foi ótimo porque eu tinha apenas duas semanas para me preparar e o filme tem uma quantidade enorme de palavras e versos. Muitas citações. Então imagina que tive que digerir tudo isso, decifrar essa linguagem, essas palavras, entender o que eu estava falando, pesquisar as citações (Shakeaspeare, a Dante, Goethe e outros), então foi uma semana de imersão absoluta buscando essas referências. Mas esse perfil ajudou muito, e o Steve é incrível.
FESTIVAL DO RIO – Essa intensidade escrita do diretor também se repete no set de filmagens?
RODRIGO SANTORO – No set ele é muito calmo, bem-humorado, que é uma característica dele. Ele tem um humor muito britânico, talvez por ter trabalhado muito na BBC. O Steve se formou na BBC. E é uma pessoa muito aberta ao que rolava no momento. Porque ele estava com John Malkovich e Rhys Ifans e fazendo um filme dentro de um cenário. Claro, existem as tomadas externas, mas basicamente o vetor centro é aquele bar. Então a gente chegava, ia para dentro do cenário e lia o texto igual a uma peça de teatro. Depois levantava e começava a marcar. Só os atores e o diretor. Depois a gente convidava a equipe, o diretor de fotografia, para entender o que a gente inventou, eles viam, a gente passava uma vez para eles, e só então íamos maquiar, para depois voltar e filmar. Absolutamente teatral. Então isso foi uma raridade no cinema. Eu nunca tinha vivido isso.
FESTIVAL DO RIO – E como foi o relacionamento com os outros atores?
RODRIGO SANTORO – Na hora do intervalo eu trocava ideias com o John Malkovich, observava como ele trabalhava. Vi que ele tinha uma pastinha também, com os textos destacados. E caramba! Pensei que só eu era maluco de fazer essas coisas. Todo mundo ali, no seu trabalho, na sua pesquisa. Imagina, contracenar com o Rhys que é um ator de teatro da Royal Shakespeare Company. Ele pegava a cena e fazia do lado do avesso. “Vamos começar pelo final agora!”. “Vamos pelo meio!”. Eu tinha que estar ligado no 220 voltz para poder acompanhar. Foi um desafio enorme. Dessa vez, um desafio verbal. Isso eu estou falando da parte técnica. E eu tinha que fazer tudo isso limpando mesa, servindo copo… E os gestos estão dialogando com o que está sendo dito. Desde uma força, uma fechada de uma garrafa, um gestual mais agressivo, até que o Carlos sai do balcão literalmente. Mas depois disso, não pode contar para o espectador!\
FESTIVAL DO RIO – Dominion traz uma paixão muito latente pela literatura e pelos livros. Então, fora das telas e do personagem, o que você gosta de ler?
RODRIGO SANTORO – Eu gosto muito de poesia. Uma das coisas que mais mexeu comigo quando eu li foi: o roteiro é bom, o personagem interessante, e é poesia! Eu adoro poesia. É uma espécie de hobby. Eu costumo a usar como pílulas de reciclagem. Às vezes eu estou em um dia louco aí eu paro tudo e leio uma poesia. Eu acho que a poesia tem o poder do transporte. De te jogar em um outro universo, de te fazer sentir. Ela te coloca em um estado. Mais do que as palavras, a sua combinação, a cadência, o que quer que seja – para cada pessoa é de um jeito – mas a gente é transformado, a gente é tocado por aquela organização, aquelas imagens que a poesia evoca. E isso me coloca em um lugar, outro que não esse da realidade. Então eu adoro mergulhar nisso.
FESTIVAL DO RIO – O protagonista, o Dylan, é extremamente sedutor, mas quem faz a cena mais sensual do filme é o Carlos, quando ele dança o tango com uma das fãs do escritor. Como foi fazer essa cena?
RODRIGO SANTORO – O que aconteceu foi que, dois dias de filmar a cena, o Steve me escreveu um e-mail dizendo: “vou botar você dançando tango nessa cena”. Aí eu pensei: lá vem o gringo querendo latinizar a situação. Estava ótimo, vai inventar agora! Perguntei se não ia ficar muito estereotipado e ele respondeu que de maneira nenhuma. O tango entra para ilustrar e para falar da sedução das palavras. O personagem não é o latino sensual, não tem nada disso, ele é um intelectual. O tango entra como uma licença poética, uma ilustração metafórica do que o Carlos está querendo dizer. E no dia seguinte ele colocou uma coreógrafa (era a tarde anterior à filmagem da cena) e eu obviamente peguei a base, a postura e improvisei, dentro do espaço.
FESTIVAL DO RIO – Este ano, você será jurado do Festival de Cinema do Rio. O que você vai levar em conta na hora de escolher os filmes?
RODRIGO SANTORO – É a primeira vez que eu estou fazendo isso no Brasil. Eu já tive a oportunidade de trabalhar como júri, mas as pessoas não me conheciam. Então aqui existe uma questão delicada. Até falei com a Ilda Santiago (diretora do Festival do Rio), quando ela me fez o convite. A verdade é que eu adorei a ideia de parar e ver um monte de filmes. Ser induzido a assistir tantos filmes, todo dia ir ao cinema ver duas produções, eu adorei. Aí tem que a questão de passar para o outro lado, ter que escolher. Eu sou ator. Isso é muito difícil, ainda estou digerindo. Então estou lidando com isso não trabalhando com a expectativa. Se ao assistir um filme eu ficar olhando os aspectos técnicos, eu não vou conseguir ver o filme. Então vou para as sessões aberto, tentandi não ter expectativas, neutralizando meu olhar. Estando presente e deixando que a obra dialogue comigo de uma forma muito sincera. Como essas atuações, essa luz, esse som, essas palavras, essas emoções falam comigo. E depois fazer uma análise interna e ser sincero com aquilo que eu senti. Então não existe uma “mirabolância técnica”. O que eu posso oferecer é a minha sinceridade, meu coração, minha alma, meu olhar. E decidir junto com outras três pessoas. Mas continuo dizendo, é desconfortável esse lugar. Eu tenho certeza que vou gostar de muita coisa. Acho também importante ter uma visão 360o do que a gente faz, não ficar só no mesmo lugar.
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