Questões de família e afeto no Cine Encontro O documentário Porque temos esperança, de Susanna Lira, está na mostra competitiva Première Brasil deste ano
Lira explicou que a grande motivação era falar da paternidade e de suas ausências, trazendo essa questão importante da sociedade brasileira para o primeiro plano das discussões. Contou também que o primeiro contato com a personagem principal aconteceu durante as pesquisas para seu outro filme, Nada sobre meu pai, que aborda a mesma temática, mas que parte de um foco mais pessoal na história da própria realizadora. Lira disse que, ao conhecer Marli e se aproximar de sua luta diária, sentiu-se muito tocada e decidiu que aquilo precisava ser visto, documentado: "Eu quis falar do que ela fazia, das batalhas que ela enfrenta, de como ela transforma seus problemas em uma coisa bonita, que ajuda outras pessoas".
"Faz parte de todo ser humano querer saber de onde veio. Eu me sinto vitoriosa na vida por causa desse trabalho, eu me sinto muito orgulhosa de ser mãe solteira e de fazer parte da história dessa luta no meu país", disse Marli, que ajuda famílias com problemas de reconhecimento paterno e burocracias, e que atualmente está levando esse projeto para dentro dos presídios.
Patricia Rebello, jornalista e crítica de cinema que mediava a mesa-redonda, observou o papel de interferência que a câmera assume, e que passa para a cena os estranhamentos que o filme produz ao atravessar a realidade. Lira apontou que incorporar esses elementos foi fundamental para a sinceridade fílmica. Igor Cabral, diretor de fotografia, lembrou que o processo de filmagem foi bem rápido, e que ele precisava estar a todo momento atento: "Era bastante pelo feeling. Por exemplo, algumas cenas que entraram no corte final foram gravadas enquanto a gente ainda tava se preparando, conversando com os personagens, e as coisas começavam a acontecer e eu precisava gravá-las. Então teve muito do improviso, de ter de lidar o tempo todo com o acaso". A diretora concordou e sublinhou que o trabalho do fotógrafo nos documentários muitas vezes é como o de um autor, que decide posicionamentos, ângulos, e que entra na intimidade das pessoas com a câmera. "No documentário não tem take dois. É uma nobreza você conseguir manter uma técnica, um foco, no calor desses momentos inesperados que vão aparecendo. E o Igor tá ali fazendo isso brilhantemente".
Dividindo o roteiro com Susanna Lira e atuando como assistente de direção, Muriel Alves foi enfática: "Uma palavra que define esse filme é generosidade. Todo mundo se abre, se entrega, quem está sendo filmado, quem está filmando, até as instuições, como o presídio que nos recebeu e nos deu permissão para filmar… E eu aprendi muito com essa experiência, vi como esse tema não é tratado pela sociedade como ele deveria". Sabrina Bitencourt, produtora, concordou e disse que a obra é riquíssima, uma vez que, além da paternidade, ela fala também sobre o encarceramento no Brasil, e nos faz repensar o presídio, suas condições, suas funções e suas consequências. "Fico realmente feliz que a gente tenha aberto essas questões tão importantes. É preciso humanizar essas pessoas, mostrar que são pais, filhos, e que fazem parte da sociedade".
A plateia, ainda muito emocionada, falou sobre a capacidade que Porque temos esperança tem de engajar quem assiste, de levar os sentimentos para o espectador e aproximá-lo das questões, mesmo que ele não se relacione diretamente com elas. Susanna Lira destacou que isso acontece porque o tema a toca profundamente, e que quando se faz algo com verdade, essa verdade transparece. "Eu vivo isso, e eu quero que o outro entenda. Eu quero que entendam que a questão da família e do afeto é a mais importante, e que o afeto é redentor, ele transforma".
Questionada sobre o futuro, a equipe declarou que tem planos de exibir a produção na televisão, onde alcançaria um público grande e vasto, o que é muito importante para o objetivo de conscientização e levantamento de debates. Pretendem também percorrer o circuito de festivais e, principalmente, articular uma série de exibições em presídios. Entretanto, mostraram-se abertos a propostas de distribuidoras de cinema.
A conversa foi concluída de forma emocionada por Marli, que disse esperar bons resultados do filme. "Eu chorei de novo agora. Eu tinha chorado ontem quando vi, e pensei que não fosse chorar mais, mas acho que vai ser assim sempre que eu for ver esse filme. Eu sei é que estou muito feliz e espero que a sociedade entenda a importância das questões que ele levanta".
Texto: Juliana Shimada
Fotos: Giulia Accorsi
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