Punk, pop e glittercore: cineasta Alexis Langlois comenta o musical Rainhas do Drama Exibido na Semana da Crítica em Cannes, longa-metragem chega ao Festival do Rio na mostra Midnight Movies.
Rainhas do Drama, de Alexis Langlois
Por João Vitor Figueira
Rainhas do Drama, longa-metragem de estreia de Alexis Langlois, traz uma visão autoral, hiperbólica e cheia de personalidade para o cinema francês contemporâneo, investindo em um estilo próprio subversivo, campy e libertário. O filme, exibido na Semana da Crítica em Cannes em 2024, despontou no Festival do Rio em uma sessão de gala no cinema Estação NET Botafogo na noite de sábado (5) como um dos destaques da mostra Midnight Movies.
A trama parte de uma experiência vivida por Langlois, que passou por uma relação marcada por rivalidade e admiração com outra pessoa de personalidade e trajetória de vida muito diferente. O filme explora esta dinâmica no formato de um musical melodramático que traz uma verdadeira montanha-russa de emoções.
Rainhas do Drama, de Alexis Langlois
Na trama, ambientada no ano de 2005, narrada em retrospecto a partir de 2055, uma jovem estrela pop em ascensão chamada Mimi Madamour (Louiza Aura) engata um tórrido e caótico romance com Billie Kohler (Gio Ventura), ícone queer da cena punk. Vindo de mundos distintos em com personalidades em rota de colisão, o casal vive um romance turbulento e incandescente entre a glória e a autodestruição.
O papel de Billie foi escrito especialmente para Injuste Langlois, irmã de Alexis que atuou em quase todos os curtas-metragens anteriores de sua filmografia. Por diversas razões, Injuste decidiu não atuar no filme, o que fez Alexis iniciar um processo de casting, algo incomum em seus filmes até então. Quando Gio e Louiza foram definidas como protagonistas, Alexis entendeu que estava diante das estrelas de seu projeto por sentir que ambas tinham muita química em cena, conseguiam transmitir força e vulnerabilidade simultaneamente e conseguiam estar à flor da pele, como suas personagens pediam.
A seguir confira uma entrevista com Alexis Langlois, que assina a direção e roteiro (em conjunto com Carlotta Coco e Thomas Colineau) de Rainhas do Drama.
Alexis Langlois na gala de Rainhas do Drama no Estação NET Botafogo — Foto: Rogerio Resende
Considerando o contexto histórico da representação LGBTQIAPN+ no audiovisual, como você acha que Rainhas do Drama contribui para o diálogo contínuo sobre narrativas queer no cinema?
Alexis Langlois: Acho que é muito importante que se diga que não existe um cinema heterossexual, existe o cinema clássico. Não se diz que um autor fez cinema heterossexual. Diz-se que ele tem um olhar, e acho que hoje é muito importante lutar por um cinema queer, mas não apenas por um só cinema queer e sim por todos os cinemas queer e reivindicar que somos pessoas politizadas, que têm vidas, corpos e ideias diferentes com imaginários muito distintos. É por isso que digo que Rainhas do Drama pode ajudar outras pessoas queer a reivindicar seu próprio universo.
Rainhas do Drama explora a ascensão e queda de ídolos pop. Que mensagem você deseja transmitir sobre a fama e sua natureza passageira, especialmente em relação às experiências da juventude e adolescência? Como você acredita que esse tema ressoa com o público jovem que está descobrindo por suas identidades no mundo de hoje?
Alexis Langlois: O filme é, acima de tudo, um filme sobre o amor e nossa necessidade de amor, que pode ser insaciável, como se buscássemos amor onde não deveríamos buscar. No início do filme, as personagens amam mal, e eu acho que estrelas como essas representam muito essa necessidade de receber esse amor insaciável que artistas têm. Fãs também têm esse desejo de amar intensamente. Mas no final, essa busca é um pouco quase vã, pois o verdadeiro amor se encontra em outro lugar.
Fãs têm essa necessidade amar de uma maneira muito intensa, têm a impressão de ter uma conexão com a pessoa que idolatram e, ao mesmo tempo, também podem querer destruir quem antes idolatravam. Existe uma espécie de prazer sádico em destruir os ídolos. Sobre a geração mais jovem, eu acho que o que está mudando hoje, especialmente com as redes sociais, é que cada pessoa é uma estrela. Isso ampliou a necessidade insaciável de receber amor. Talvez devam tentar buscar esse amor em uma comunidade, especialmente na comunidade queer.
Alexis Langlois
Rainhas do Drama é uma história dinâmica, repleta de emoções intensas e altos e baixos dramáticos, tudo embalado por uma trilha sonora vibrante. Como sua própria paixão pela música influenciou a intensidade da narrativa no filme?
Alexis Langlois: Para mim, este é um filme sobre reconciliação sobre como podemos estar em união. Eu quero compartilhar meu amor por diferentes tipos de música, da música punk dos anos 80 até Britney Spears. O filme é como uma história de amor entre Britney Spears, Courtney Love e Yelle, uma banda francesa.
Fazer um musical é muito importante para mim, porque no musical você pode mostrar diretamente como um personagem se sente. Em um filme mais realista, quando alguém está triste, ela simplesmente chora. Mas no musical, você pode mudar o mundo ao redor da personagem. É por isso que eu amo musicais.
Você também poderia falar sobre quais artistas musicais inspiraram a criação das personagens Mimi Madamour e Billie Kohler, bem como sobre filmes musicais que te influenciaram?
Alexis Langlois: Mimi é claramente uma mistura de diferentes cantoras dos anos 90 e início dos anos 2000, como Mariah Carey. “Mimi” é como o fandom da Mariah a chama. É uma inspiração direta. Britney Spears, é claro, também é uma referência, mas também algumas cantoras pop francesas. Billie traz referências do grupo Deli Girls, em Courtney Love, mas também no Peaches. Foi uma mistura de muitas pessoas que gosto para criar personagens únicas.
Eu também tinha muito interesse nesse tipo de cantora que já foi famosa no passado, mas foi esquecida, então esse filme também é uma declaração de amor para elas.
Acho que os filmes que cito como referência com mais frequência são Phtanom of The Paradise, de Brian de Palma; Nasce Uma Estrela, com Judy Garland; e Chantal Akerman com seu Golden Eighties. Também sou muito fã de Bob Fosse e seu All That Jazz - O Show Deve Continuar.
Em entrevistas anteriores, você mencionou que seus filmes são extremamente coloridos porque você é uma pessoa daltônica, e que não gosta dos termos "kitsch" ou "exagerado". Você sente que o termo "glittercore", às vezes usado para descrever seu trabalho, reflete realmente a estética do seu cinema ou também seria limitador?
Alexis Langlois: Falando com sinceridade, eu realmente gosto da palavra “kitsch”. Quando disse que não gostava era porque sentia que as pessoas não sabem como descrever os meus filmes e sempre chamam de kitsch. É um pouco reducionista, acho. Acho que as pessoas não entendem o verdadeiro sentido de kitsch. Então às vezes falo, "Não gosto de kitsch, gosto de usar artifícios". Mas, com honestidade, digo: eu gosto bastante de kitsch. Para mim, Kitsch é queer e é político.
Com minha corroteirista, Carlotta Coco, quando escrevemos o roteiro de The Demons of Dorothy, estávamos pensando em uma forma de não usar a palavra kitsch para descrever o projeto e pensamos em glittercore. Achávamos que tínhamos criado o termo, mas depois percebemos que não foi uma criação nossa. “Glitter” porque o termo pode ser um pouco kitsch, um pouco feminino no imaginário hétero, e “core”, porque vai na direção de algo mais repulsivo, mais trash.
Gosto das duas palavras. Mais uma vez, se trata de uma reconciliação de coisas opostas. Para mim, glittercore é uma palavra que me agrada muito. Imagine uma menina com fantasia de princesa, mas com uma motosserra, pronta para encarar o mundo patriarcal.
Você já mencionou que ícones pop como Beyoncé abriram portas para que gerações mais jovens se envolvessem com ideias complexas, como o feminismo, da mesma forma que você descobriu sua paixão pelo audiovisual através de programas de TV como Buffy, a Caça-Vampiros. Você acha que o valor da cultura pop enquanto válvula de escape e ferramente educacional para jovens é subestimada?
Alexis Langlois: Acho que respondemos essa pergunta no filme. Billie diz para Mimi que sem as Spice Girls, nunca teria lido Monique Wittig. Quando você gosta de algo, isso é bom. E não existe cultura boa e cultura ruim. Mesmo a “alta” e a “baixa” cultura se inspiram mutuamente. Até o pop inspira o punk e vice-versa. Penso que é mais interessante e belo ver que há uma conexão entre todas as coisas.
Eu descobri o cinema vendo um programa de TV como Buffy, a Caça Vampiros e depois disso eu descobri [David] Cronemberg. Graças à Buffy eu amo Judy Garland. É uma jornada complexa, mas eu realmente gosto de como tudo está conectado. Acho que é muito importante criar conexões e penso que o filme também é sobre isso.
Depois de Rainhas do Drama, seu primeiro longa-metragem, em que direção você vê seus próximos projetos caminhando? Você pretende continuar explorando a estética vibrante do glittercore ou está considerando novos territórios temáticos e estilos para futuros filmes?
Alexis Langlois: Eu penso que será igual, mas totalmente diferente (risos). Algo como os meus filmes mais antigos, mas realmente diferente porque eu sempre gosto de fazer coisas diferentes. Este filme é um musical e eu sempre quis fazer um filme mais político em outro gênero, talvez no terror.
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