Premiado Filippo Scotti exalta maestria do diretor do thriller gótico italiano O Quintal Americano Cineasta veterano Pupi Avati realizou pela primeira vez um filme em preto-e-branco, para realçar o irreal e a fantasia em seu filme de época
O Quintal Americano, de Pupi Avati
Por Rodrigo Torres
Filippo Scotti tinha outros planos para a vida quando o diretor Pupi Avati fez a ele uma proposta inesperada: “Não vou poder viajar para o Rio. Acho que você deveria representar o filme no meu lugar”, disse o cineasta, que, em seus 85 anos de vida, já teve a oportunidade de rodar o mundo todo com os seus projetos. “Onde?! Rio?! Que incrível! Que coisa louca!”, exclamou o ator, de apenas 24 anos, topando na hora a responsabilidade de apresentar O Quintal Americano no Festival do Rio 2024.
Em uma tarde de sol e céu azul às margens da Baía de Guanabara, em um galpão belíssimo no Armazém da Utopia, Filippo admitiu: apesar da expectativa pela viagem e de ter acompanhado a Olimpíada de 2016 pela TV, conhecer o Rio de Janeiro ao vivo foi surpreendente. “Para ser honesto, eu não esperava essa energia toda. Não tenho palavras para essa cidade, esse clima, essas cores… Enfim, as pessoas em geral, estou achando tudo maravilhoso”, disse o ator, ansioso pelo programa do dia seguinte: mergulhar no mar verde-esmeralda na Praia de Copacabana.
O Quintal Americano, de Pupi Avati
A visão que o ator italiano tinha do seu quarto de hotel destoava completamente daquela que o público encontrou nas sessões do filme que ele veio apresentar — e isso é bom. O Quintal Americano é um thriller gótico com uma bela fotografia preto-e-branco, por sugestão do corroteirista Tommaso Avati, filho do diretor, após ler a primeira versão do roteiro. A história acompanha Lui, um escritor jovem e problemático, que vê pessoas mortas, que se apaixona à primeira vista por uma enfermeira estadunidense durante a Segunda Guerra Mundial. Um ano depois, em 1946, ele se muda para o meio-oeste americano, ao lado da casa da mãe idosa de sua amada, separados apenas por um quintal sombrio.
“É uma coincidência que só o cinema permite, né?”, brinca o ator, ecoando o objetivo do próprio Pupi Avati com seu novo longa-metragem: apelar à fantasia e à imaginação para cativar a curiosidade do seu público. Por isso, fez todo sentido para o diretor tirar as cores do filme — segundo ele, um filme colorido mimetiza a realidade de um modo muito direto, enquanto uma obra em preto-e-branco destoa do mundo como o vemos. “Uma coisa precisa ser dita”, disse Filippo Scotti sobre o cineasta veterano: “É preciso ter coragem para, aos 85 anos de idade, chegar e dizer: ‘Ok, é hora de fazer o meu primeiro filme em preto-e-branco’. Na minha opinião, isso é interessante e educativo. É para todos termos Pupi como referência, por ser um artista que sempre se coloca em risco”.
O Quintal Americano, de Pupi Avati
Vale lembrar que Filippo Scotti foi descoberto e lançado ao mundo em A Mão de Deus (2021), filme da Netflix escrito e dirigido por um dos grandes cineastas europeus da atualidade: Paolo Sorrentino, dos filmes A Grande Beleza (2013) e Parthenope (2024), também lançado no Brasil na 26ª edição do Festival do Rio. A Mão de Deus foi indicado ao Oscar e rendeu quatro prêmios internacionais para Filippo, incluindo o Prêmio Marcello Mastroianni de ator jovem no Festival de Veneza 2021. Além disso, o jovem ator começou no teatro em 2010. Isso explica seu olhar maduro sobre a profissão e sobre os métodos de trabalho de Pupi Avati em O Quintal Americano.
“Trabalhar com o Pupi foi uma honra. E foi, sobretudo, natural”, ele diz, explicando o ambiente leve que o diretor cria no set. “No dia em que o conheci, ele disse que queria que eu me sentisse amado. Pois queria, primeiro, criar uma atmosfera tranquila, para depois construir o restante. E assim aconteceu. Ele criou esse ambiente no set e o filme foi crescendo naturalmente. Foi ele quem afinou seus atores, afinou seus instrumentos, mas nunca com soberba, sempre havia uma escuta. Ele sempre perguntava: 'O que acha disso?'. E isso é bom, porque te responsabiliza como ator. E isso é uma responsabilidade, pois o ator percebe que está em boas mãos — nas mãos de um grande maestro. E Pupi é um maestro que diz que escuta seu discípulo. Isso também é importante. Para mim, assim é a vida”, filosofa o ator.
O Quintal Americano, de Pupi Avati
Portanto, é de se pensar que Filippo Scotti tenha trabalhado profundamente na construção de seu personagem. Mas nem tanto. O ator italiano conta que — assim como em sua viagem para o Rio de Janeiro — foi pego de surpresa com o convite para fazer O Quintal Americano e chegou para fazer o filme a poucos dias do início de sua produção. Então, Pupi Avati já tinha seu protagonista Lui muito bem moldado ao seu estilo particular. Os elogios que o longa-metragem recebeu após sua estreia mundial no último Festival de Veneza, mês passado, aborda justamente a capacidade do autor veterano de manter-se fiel às suas raízes criativas, misturando habilmente a estética gótica com uma narrativa introspectiva e sombria.
Apesar disso, Filippo Scotti conta como se deu sua contribuição para a construção do personagem. “Sabe quando eu construo um personagem de verdade? Quando eu estou mais preocupado”, diz o ator, afirmando que é necessário preservar a essência do personagem — o que só se faz com reflexão e preocupação com aquela criação. “É triste criar um personagem a partir do que você já idealizou na sua cabeça. É justo ter um objetivo, com certeza. Mas não é justo o personagem tomar uma forma naturalmente e o ator, racionalmente, querer alterá-lo apenas porque o imaginou de outro modo. Isso é uma violência. E essa violência não existiu”, disse o ator, mostrando um afeto e um respeito grande pelo seu personagem, Lui.
Perguntado se é assim que ele entende ser a criação de um filme como uma peça de arte, Filippo Scotti disse: “Eu não sei o que eu fiz. Mas, certamente, nós trabalhamos com grande sintonia e afeto. E se isso é fazer arte, sim, nós fizemos arte. Uma arte coletiva”.
Confira a próxima sessão:
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