Publicado em 08/10/2014


Contar a vida de uma figura importante da história do carnaval carioca como Joãosinho Trinta não é fácil. Para fazer Trinta, o longa de ficção inspirado na vida do carnavalesco, o diretor paulista Paulo Machline mudou-se para o Rio de Janeiro e conviveu intensamente com Joãosinho durante os preparativos para o carnaval de2003.

Dessa experiência nasceu o documentário A raça síntese de Joãosinho Trinta em 2009, que foi apresentado no Festival do Rio do mesmo ano. Mas o que Paulo queria mesmo era contar essa história de forma dramática. E assim nasceu Trinta, que aborda o período da vida do carnavalesco desde seus anos como bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, até a conquista de seu primeiro carnaval pelo Salgueiro em 1974. O filme conta com Matheus Nachtergaele no papel principal, além de um grande elenco.

Ao passar pelo Armazém da Utopia para divulgar a sua mais nova produção, o diretor aproveitou para conversar com o site do Festival .

Como foi o processo inicial de produção do filme?

O Trinta é um projeto antigo, que começou em 2002. Entre 2002 e 2005, fui fazendo pesquisas sobre a vida do João. Não existia nada sobre ele, a não ser o que a gente conhecia de desfiles de carnaval. A partir de um artigo que o Carlos Heitor Cony escreveu, comecei a produzir o material de pesquisa e fiz isso até as primeiras ideias de roteiro. O filme começou a acontecer efetivamente em 2009, quando a Primo Filmes entrou como produtora, e daí reescrevemos o roteiro que já existia. Começamos a filmar em 2012 no Rio de Janeiro durante o outono.

E a escolha do Matheus Nachtergaele para encarnar o Joãosinho Trinta?

Eu fui até um pouco teimoso. Como eu disse, o filme surgiu do artigo do Cony. Quando li esse artigo, tive a certeza de que eu queria o Matheus. Antes mesmo de falar com João ou da primeira versão do roteiro. Eu nunca pensei em outro ator. Eu sabia que o Matheus é de descendência europeia e o João era de descendência árabe e negra. Sabia que o biotipo deles era parecido na estatura, mas a fisionomia e cor de pele eram diferentes. Mas o Matheus se envolve profundamente no que está fazendo. Ele é o que está fazendo. Então, toda e qualquer diferença física a gente nem percebe.

Você teve muito contato com o Joãosinho durante a sua preparação para realizar Trinta?

Quando eu li o artigo do Cony, eu estava na França fazendo um trabalho. Quando voltei para o Brasil alguns meses depois, a primeira coisa que fiz foi vir para o Rio de Janeiro e ir atrás do João. Ele estava trabalhando na Grande Rio na época. Fui ao barracão da Grande Rio na cara e na coragem. Ele já sabia quem eu era porque já conhecia o meu irmão mais velho e conhecia o meu filme sobre o Pelé - Uma história de futebol (1998). Ele estava preparando o carnaval de 2003 e expliquei que estava fazendo um filme sobre ele. Quando olhou para mim, disse: “Cadê a câmera?”. Eu tinha uma câmera pequena e um tripé na minha mochila, e comecei a fazer a minha pesquisa sobre ele. Depois disso, fiquei quatro meses morando no Rio praticamente morando com o João – eu moro em São Paulo. Eu acordava de manhã e ia para o barracão. Quando faltavam quatro ou cinco meses para o carnaval o Joãosinho se mudava para o barracão. Ele passava a dormir lá. Só voltava para casa depois da apuração. Eu praticamente morei lá também. Só não dormia no barracão. Acompanhei ele durante quatro ou cinco meses.

Tive vários momentos de proximidade com o João. Entre 2002 e 2003, em 2006 e ,depois, em 2009. E tudo com o objetivo de tirar histórias e de conhecer a vida e o universo dele. Ele tinha um universo muito particular. Falei com várias pessoas ligadas a ele. Os médicos dele, pessoas das escolas de samba, amigos e inimigos. Esse material foi essencial para fazer o roteiro. E ficou tudo guardado. Eram umas duzentas fitas mini-dv. Peguei tudo aquilo e juntei com o montador, Fernando Honesko, e com o Giuliano Cedroni. Acabamos fazendo o documentário A raça síntese de Joãosinho Trinta. O filme passou no Festival do Rio em 2009, numa première linda em que o João estava presente. Foi ele quem apresentou o filme. Foi um momento histórico do Festival, porque ele já estava bastante debilitado, mas fez questão de subir no palco. Ele ficou meia hora contando histórias, e o público se deliciou com aquilo.

Tem até uma situação curiosa, porque a gente estava ali para apresentar o filme e ele começou a falar justamente o que estava no documentário. Depois de meia hora cheguei no ouvido dele e disse: “João, vamos ver o filme?”. Ele olhou para trás e disse para o público: “Ele quer que eu pare de falar”. A plateia inteira me vaiou (risos). Eu pensei: “Bom, deixa ele falar a vontade”.

Essa sessão do Festival do Rio de 2009 foi quando o João conheceu o Matheus. Eu coloquei os dois juntos. As únicas fotografias que têm deles juntos foram feitas durante esse festival.

Então, estive muito com o João. A gente desenvolveu uma relação interessantíssima. Ele sempre se dedicou muito ao filme. Ele sabia que um dia eu ia fazer o filme. Infelizmente ele foi embora antes da estreia. Mas o documentário ele viu. Acho que na cabeça dele nunca ficou muito claro se a gente estava fazendo um documentário ou uma ficção. Então, pra ele o documentário foi muito importante.

No filme Trinta você escolheu fazer a trajetória dele até o primeiro carnaval, em 1974. Por quê?

O Joãosinho Trinta carnavalesco todo mundo conhece. Os carnavais dele todos conhecem. O que me interessa contar? O que as pessoas pouco ou nada conhecem. Então eu pego uma mitologia de super-herói, na qual a gente esquece o Joãosinho e pensa no Batman, e quero saber o que aconteceu com ele antes dele virar Batman. Depois que ele vira o herói, todo mundo sabe o que ele faz.

O João era João Jorge, quando era bailarino. João Trinta quando virou cenógrafo. Joãosinho das Alegorias quando era alegorista do Salgueiro. Só virou Joãosinho Trinta quando botou o primeiro carnaval dele na avenida. Então, na minha visão de cineasta, o que me interessou foi até esse momento. Depois disso, é só dar um google que você sabe o que aconteceu.

Por Fernando Flack



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