Publicado em 10/10/2024

Natasha Neri, Rita Piffer e a equipe de Paradeiros — Foto: Rodrigo Torres
Natasha Neri, a diretora Rita Piffer, o pesquisador Fábio Alves, a roteirista Sara Stopazzolli, a produtora Leda Stopazzolli e a colaboradora de roteiro Flávia Vieira no debate de Paradeiros — Foto: Rodrigo Torres 

Por Rodrigo Torres

"Um filme sobre a ausência". Foi assim que a jornalista e cineasta Natasha Neri, autora do filme Auto de Resistência (2018), definiu o documentário Paradeiros. Dirigido por Rita Piffer, o filme retrata o drama de uma mãe que dedica anos de vida para encontrar o corpo de seu filho, morto por uma milícia, e enterrá-lo com dignidade. "Vocês fizeram um filme sobre a ausência do corpo e a ausência de justiça", disse Natasha, mediando o debate sobre o documentário que disputa o Troféu Redentor pela mostra Novos Rumos do Festival do Rio 2024.

Paradeiros é ambientado na Ilha do Governador, bairro onde as pessoas são assassinadas e atiradas ao mar, sendo eventualmente trazidas para as areias da Praia da Bica pela maré. Para ecoar a voz de Sandra, e dar peso ao seu relato, a diretora retrata aquela praia linda e calma num dia ensolarado como contraponto ao relato pavoroso dessa mãe em busca de respostas e acolhimento.

Paradeiros, de Rita PifferParadeiros, de Rita Piffer

“Durante o processo, a gente entrevistou a Tânia Andrade, que é uma antropóloga do capitalismo que estuda a linguagem dos cemitérios. E eu li no trabalho dela uma coisa muito incrível: “O que os espaços da morte falam sobre o mundo dos vivos?” E a Praia da Bica é um grande espaço da morte, é um grande cemitério”, disse Rita, dando mais sentido à estética de Paradeiros.

Rita Piffer fez, assim, um filme profundamente social, político e de viés acadêmico. Na plateia, estavam presentes vários sociólogos importantes, que elogiaram o “trabalho primoroso” da cineasta e fizeram algumas perguntas para a equipe do elenco – ela também formada por estudiosos desse tema tão específico.

Paradeiros, de Rita PifferParadeiros, de Rita Piffer

Uma dessas pessoas é Fábio Alves Araújo, doutor em sociologia e autor do livro “Das técnicas de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política” (2014), que destaca uma característica importante de Paradeiros: há uma grande distância entre o que dizem os burocratas do Estado, que se portam de forma exemplar e exaltam o serviço que prestam para a população, e os relatos de Sandra, totalmente desguarnecida pelas instituições públicas.

“O filme é de uma preciosidade muito grande, pois tem uma contribuição enorme para esse debate. A gente tem várias dinâmicas de massacre, e o filme documenta esse desafio de natureza ética, política, estética, que é como que a gente lida com o terror. A gente está falando de uma experiência urbana que banaliza o terror o tempo todo”, diz Fábio, destacando “a dimensão” que o documentário dá para o problema dos desaparecimentos de corpos no Rio de Janeiro: “Eu pesquiso isso, tem outras pesquisadoras aqui que são referências também, e eu senti isso que, de certa maneira, esse documentário traduz vários dos nossos trabalhos”.

Paradeiros, de Rita Piffer

Colaboradora de roteiro, Flávia Vieira destaca um dos momentos mais fortes de Paradeiros: a cena em que uma delegada afirma que é “um privilégio” uma mãe ter um corpo para enterrar. “A gente precisa constranger esse Estado. Aqui, a delegada é o Estado. É um privilégio ter um corpo? Quando você conversa com uma mãe cara a cara, você percebe que é muito pesado o fardo delas. Elas estão sozinhas. Elas estão abandonadas pelo Estado”, diz Flávia.

“Quando a Rita me chamou para trabalhar no roteiro, a pergunta que eu fazia era: ‘Quem responde por isso?’ A gente tinha ali os depoimentos de mães, um bom repertório, mas para onde que a gente vai falando com essas mães?”, diz Flávia, lembrando o processo de elaboração do roteiro — e, importante lembrar, que, sim, documentários têm roteiro. Ela se disse contente com o resultado final.

Paradeiros, de Rita Piffer

“A gente conseguiu deslocar o centro dessa busca, que é para onde a gente está olhando. A mãe perdeu o filho, o corpo não vai aparecer,foi atirado na Praia da Bica, foi queimado no micro-ondas, a gente já sabe que isso acontece. Mas quem responde por isso? Eu acho que, de certa forma, é uma renovação do olhar sobre essa temática”, diz Flávia, afirmando que Paradeiros aponta um caminho que o cinema e a sociedade pública precisam trilhar, ainda, durante “muito tempo”.

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