Publicado em 14/10/2016

Depois de uma hora de conversa, a produção do Cine Encontro começou a se inquietar – o horário da próxima sessão desta tarde (sexta-feira, 14) no Odeon se aproximava, mas diante da riqueza do debate o público e a mesa presentes não davam sinal de desanimar. O filme em questão era O jabuti e a anta, documentário da Première Brasil, concorrente ao Troféu Redentor, que faz uma viagem pelos rios do país para investigar o impacto das hidrelétricas sobre as vidas das comunidades ribeirinhas.

A produtora Marina Yamaoka começou o bate-papo com uma explicação sobre as origens do projeto, contando que, em seu trabalho como jornalista do Greenpeace, sentia-se constantemente incomodada pela visão distorcida da comunidade internacional sobre a matriz energética supostamente limpa do Brasil. Em 2014, quando o país sofria com o racionamento provocado pela falta de chuvas, ao mesmo tempo em que notícias sobre investimentos em novas hidrelétricas continuavam a surgir, esse incômodo se materializou na forma da minissérie Linhas, que acompanha pessoas que tiveram suas vidas diretamente transformadas pela produção energética.

Foi a partir do desejo de aprofundar o contato com esses personagens que surgiu O jabuti e a anta, esclareceu a diretora Eliza Capai, ressaltando ainda o papel que a montadora Eva Randolph, também presente no debate, teve na tarefa de entender melhor as prioridades do projeto, alterando profundamente o seu roteiro após a filmagem do material. Ainda sobre a realização do documentário, Capai explicou que as gravações foram financiadas por meio de uma coprodução com o Greenpeace, mas que a pós-produção foi feita sem recursos, com todos os profissionais envolvidos aceitando trabalhar apenas “pela paixão, pelo desejo de trazer algo de que se orgulhem para o mundo”.

A mediadora, a jornalista especializada em economia e meio ambiente Liana Mello, destacou que o filme traz vozes de pessoas a quem o público mais amplo não costuma ter acesso, e perguntou à equipe como foi lidar com a sabedoria popular das comunidades. Capai explicou que um dos grandes compromissos do projeto foi construir empatia com seus personagens, e ressaltou a decisão consciente de só incluir no documentário as vozes de pesquisadores que pertencessem às situações que estudavam, vivendo-as em seu cotidiano. Carol Quintanilha, roteirista e fotógrafa, acrescentou que a equipe não chegou às locações com um discurso pronto, optando por abrir-se completamente ao que os entrevistados trouxessem.

Ainda sobre as vozes do filme, a mediadora sublinhou o fato de o projeto ser todo chefiado por mulheres, assim como a quantidade de fortes lideranças femininas entre os personagens do documentário. Capai contou que não tinha pensado conscientemente no assunto, mas teorizou que, num filme que tenciona dar voz a quem não é ouvido, a busca pela fala das mulheres é natural. E lembrou a importância de, num país em que apenas de 6 a 8% dos diretores de filmes comerciais são mulheres, mostrar as mulheres na tela como indivíduos completos, e não meros objetos ou recursos narrativos.

 Diante do questionamento de um membro da plateia, que opinou que a questão da energia hidrelétrica é mais complexa do que o documentário sugere, Capai respondeu declarando que o filme foi realizado justamente para suscitar tal debate. A diretora ressaltou que o ponto de vista adotado pela obra é o seu, e que não deve ser comprado como a verdade absoluta. E concluiu dizendo que o modelo energético do país, baseado em megaprojetos que causam enormes impactos, pode ser mudado, se a vontade e as políticas públicas permitirem.

Texto: Clara Ferrer

Fotos: Jonathan Menezes




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