Publicado em 15/10/2023

“Gosto muito de ver o Grande Otelo como um griô”, comentou o diretor Lucas H. Rossi dos Santos, que assina um documentário sobre um dos maiores artistas brasileiros do século XX. O termo “griô”, na tradição africana, nomeia um indivíduo que preserva e transmite conhecimentos ancestrais, algo que é visto no longa-metragem dedicado a este ícone da cultura nacional.

Em Othelo, o Grande, longa que integra a Première Brasil e foi exibido no Cine Odeon - CCLSR na manhã deste sábado (14/10), o pioneiro ator, comediante, sambista e cantor narra sua própria trajetória de vida por via de uma seleção de entrevistas do artista e imagens de seus filmes. Diferente de outros documentários sobre figuras notáveis, longa não conta com depoimentos de terceiros, embora tenham sido produzidas 20 entrevistas com luminares da cultura nacional como Zezé Motta, Zé Celso, Ruth de Souza e Paulo José, deixadas de lado no processo de edição.

Da conversa com Zezé Motta, Lucas disse ter ficado impactado ao ouvir que Grande Otelo, em vida, "nunca foi visto como um defensor da raça", apesar de seu pioneirismo. Isso motivou o diretor a retratar Sebastião Bernardes de Souza Prata, nome de batismo do ator, como um "patriarca" dos artistas negros.

“Ele é um mais velho, um ancestral, um cara que traz para as novas gerações uma reflexão sobre seu caminho”, comentou Lucas, que estreia como diretor de um longa-metragem neste projeto. “Se a gente pode fazer cinema hoje, é porque o Otelo passou por tudo que passou. É impossível tirar dele esse lugar de patriarca da raça no cinema e na cultura por ser o primeiro ator preto com protagonismo nas telas”, disse o diretor.

Ao todo, mais de 300 horas de arquivo foram coletadas na pesquisa para o filme. Nessa coleta, evidenciou-se um problema crônico da preservação audiovisual no país quando a equipe notou que muitos arquivos não estavam sendo preservados adequadamente. O produtor Aílton Franco Jr. citou ainda que processo de desenvolvimento do projeto foi afetado pela crise que a Cinemateca Brasileira passou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando órgão que guarda boa parte do acervo de filmes de Grande Otelo chegou fechar por dois anos.

William Dias, montador de Othelo, o Grande, contou que organizar acervo do ator é contar parte da história do Brasil e que buscou editar filme para transmitir grandeza do artista para gerações mais novas que talvez não tenham dimensão do legado do artista. “Esse filme é um documento para a história do Brasil. Poder trabalhar e deixar claro e audível esse material é muito importante e emocionante”, complementou Waldir Xavier, que assina o desenho de som do longa-metragem.

Além de mostrar a trajetória artística de Grande Otelo, das chanchadas com Oscarito até a Turma do Professor Raimundo, passando por dezenas de outros trabalhos, o filme também denuncia o nível atroz de racismo que o artista teve de enfrentar em sua carreira, que iam desde falas depreciativas e segregação em teatros a exploração de ser sub-remunerado por seus trabalhos. “Ele nasce em 1915, 27 anos depois da abolição da escravatura, então é difícil não fazer um filme que não aborde o racismo”, comentou o diretor.

Carlos Sebastião Prata, que usa a alcunha de Grande Otelo Filho, participou do debate e trouxe lembranças sobre o pai. Ele conta que por muitas vezes presenciou o ator ser discriminado, mas disse que pai mantinha postura altiva. “Ele ajudou a mudar o Brasil. Na época dele nenhum negro conseguiu chegar nos lugares que ele chegou.”

Texto: João Vitor Figueira
Foto: Ian Melo



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