Publicado em 05/10/2024

Os Enforcados no Festival do Rio 2024 (Roberto Filho/Paris Filmes)
Fernando Coimbra, Leandra Leal e toda a equipe de Os Enforcados no Cine Odeon — Foto: Roberto Filho/Paris Filmes

Por Rodrigo Torres

Fernando Coimbra acabara de finalizar O Lobo Atrás da Porta (2015) quando apresentou para os produtores Caio e Fabiano Gullane um novo roteiro, sobre um tema muito presente na realidade carioca: o jogo do bicho. Após anos de tratamento e produção desse texto até virar filme, estreia finalmente o thriller Os Enforcados, inaugurando a mostra competitiva da Première Brasil na categoria ficção, no primeiro dia de debates do Festival do Rio 2024.

“Nesse universo carioca, que é um universo brasileiro em geral, tinha essa coisa da contravenção aceita. Agora as pessoas estão tendo mais consciência, depois da série Vale o Escrito (2023), da loucura que é o jogo do bicho. Enquanto a violência do tráfico de drogas é muito exposta na mídia, não se tinha consciência da brutalidade da violência da briga de território que existe no jogo do bicho, e o jogo do bicho tinha essa coisa meio folclórica”, explica o cineasta, assim revelando que a atualidade de Os Enforcados é fruto de mera coincidência.

Os Enforcados, de Fernando Coimbra
Os Enforcados, de Fernando Coimbra

Nesse Rio de Janeiro tomado pelo crime, Os Enforcados conta a história de Regina e Valério, um casal envolvido em dívidas e traições de família que decidem colocar em prática um plano que, uma vez executado, inicia uma espiral de violência sem fim. A inspiração é clara, e confirmada por Fernando Coimbra: Fargo - Uma Comédia de Erros (1996), dos irmãos Ethan e Joel Coen. Mas não só.

“Regina é a Lady Macbeth da Barra da Tijuca”, diz Fernando Coimbra, referindo-se à ambiciosa personagem da obra de Shakespeare, que, desafiando a masculinidade do marido, o convence a matar o Rei Duncan para tomar o poder, em Macbeth (1623). Mais uma vez, o diretor e roteirista a fenomenal atriz Leandra Leal, que dera vida à Fera da Penha em O Lobo Atrás da Porta, para interpretar essa protagonista implacável – agora, porém, incorporando uma dimensão cômica.

Os Enforcados, de Fernando Coimbra
O crítico e mediador Luiz Carlos Merten com o diretor Fernando Coimbra e a atriz Leandra Leal — Foto: Rodrigo Torres

“Foi um processo curto e intenso. A gente teve três semanas de ensaio”, diz ela, quando alguém interrompeu dizendo: “Mais uns 30 anos de amizade, né?!”, para a risada da plateia. De fato, o entrosamento entre o diretor e a atriz, segundo ela própria, foi fundamental para Os Enforcados sair exatamente do jeito que saiu — assim como o trabalho minucioso de Fernando Coimbra na roteirização do longa-metragem e sua leitura, depois, com os atores.

“Os roteiros dele são muito incríveis, muito fáceis para mim como atriz, eu não sei bem por que, a gente tem um encaixe… E foram encontros muito bons. O Fernando é um diretor que gosta muito de trabalhar com atores. Então, a gente teve períodos longos de leitura, o que dá uma sensação de ensaio de teatro, com o Fernando conduzindo, e a gente já vai sentindo como o filme é”, diz Leandra, que acrescenta: “Os dois filmes que eu fiz com o Fernando foram gestados durante muito tempo. O Lobo Atrás da Porta ele fez durante 12 anos. Os Enforcados, por 10 anos. Então, ele já vem com muita clareza do que quer. As coisas já estão muito maduras.”

Os Enforcados, de Fernando CoimbraOs Enforcados, de Fernando Coimbra

Outra peça fundamental para Leandra Leal desempenhar tão bem seu papel foi seu coprotagonista: o ator Irandhir Santos. “Uma coisa que durante o processo foi muito importante pra mim foi o Irandhir. Assim, muito! No processo de construção de personagem, no dia a dia do set… O Irandhir é um ator muito concentrado. E eu amo gente assim! Uma pessoa muito entregue, que me ajudava”, conta Leandra, revelando um defeito que jamais poderíamos saber que ela tem a partir de sua atuação na telona: uma facilidade de se dispersar no set.

Os Enforcados é um filme primoroso em termos de direção, roteiro e técnica no geral. Mas, de fato, o elenco tem imenso destaque, dando vida às ambiguidades psicológicas do texto, aos conflitos entre os personagens, às suas sequências mais gráficas de violência e, como quebra de expectativa, às cenas genuinamente cômicas do longa-metragem. Talvez por isso, neste debate, Leandra Leal tenha lamentando a ausência de Irene Ravache — que rouba a cena vivendo uma mãe menos confiável que muito bicheiro.

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