Publicado em 11/10/2016

Por Sabrina D. Marques (Talent Press)

Fome de viver (The Hunger,1983) é um desses filmes que precisam do futuro. A pretensão comercial de Tony Scott satura este seu primeiro longa-metragem e o resultado é um produto esquemático que é tão filho da sua época que, à sua estreia, lhe falha redondamente. Constituindo-se como um case-study para o quão imprevisível pode ser o sucesso comercial, Fome de Viver é o argumento acabado de como um filme não é uma soma calculável de variáveis e está muito para lá das fórmulas estéticas ou das stars que reúne.

O dream team combina Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon num drama erótico entre belos vampiros que se desenrola num estilizado submundo urbano, envolto na soturnidade dos ambientes pós-apocalípticos de Ridley Scott. O goth-rock dos anos 80 surge protagonizado pelos famosos Bauhaus que, tanto na sequência inicial como nos créditos, repetem o tema Bela Lugosi’s dead como quem incita à necessidade de uma renovação pós-Lugosi da figura do vampiro. Estas vampiras são mortíferas femmes fatales: descritas num allure sexualmente ambíguo evocam-nos, entre o erotismo e o terror, a associação estreita entre vampirismo e sexualidade previamente ensaiada por filmes como Rosas de sangue (Et Mourir de Plaisir. Roger Vadim, 1960), A maldição da vampira (Female Vampire,Jess Franco, 1973) ou Vampyros Lesbos (Jess Franco, 1970). Mas, pela dimensão hollywoodesca da adaptação, seria o Drácula de Coppola (1992) a melhor instalar no imaginário comum a figura da vampira-lésbica, hipnotizante criatura de apetites insaciáveis.

Se foi afundado pela crítica à sua recepção, hoje a imprecisão narrativa previamente diagnosticada a Fome de viver entusiasma o gosto pós-moderno e os recursos visuais que então denunciavam os tiques publicitários da formação do realizador já não nos parecem clichês tão ostensivos. Objeto de culto, é obrigatório na arqueologia de cinéfilos e melômanos e adianta tantos outros esboços que relacionarão a liberdade clandestina da noite à marginalidade do vampirismo, da depravação sexual e do punk/rock: Rockula (Luca Bercovici, 1990), Amantes eternos (Only Lovers Left Alive, Jim Jarmusch, 2014) ou Garota sombria caminha pela noite (A Girl Walks Home Alone at Night,Ana Lily Amirpour, 2014). Filme inclassificável, Fome de viver parece melhorar a cada revisitação.




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