Publicado em 27/09/2013


Demorou para que o mundo conhecesse o cinema do francês Alain Guiraudie. Filmando seus primeiros longas e médias desde 2001, foi somente depois da seleção para uma das mostras paralelas do Festival de Cannes deste ano que o diretor conseguiu extrapolar o circuito de cinema de arte. Guiraudie filma com orçamentos modestos, sem sair de sua região de origem, com atores não profissionais ou desconhecidos do grande público. Ele evita assim as cidades grandes, as paisagens urbanas e os conflitos pequeno-burgueses que tais ambientes acarretam. Se para o poeta Paul Fort a felicidade está no campo, para Guiraudie, o ambiente de vilas e grandes espaços abertos faz dos seus filmes uma observação da vida calma e bucólica, mas não alienada ou entediante. Ao contrário, Guiraudie faz cinema político sem ser estridente, sensual sem ser apelativo, que usa do onírico e do atemporal para reforçar questões e comportamentos marginais ligados ao sexo e às classes sociais.

O mundo de Guiraudie oscila entre o concreto e o abstrato, o palpável e o imaterial. Em Por um lugar ao sol (2001), essa dualidade de registro é a marca do filme, em que umagarota vinda da cidade se embrenha pelas montanhas de um país imaginário para conhecer uma lenda da qual ela ouviu muito falar na cidade: a dos pastores de ounaye (pronuncia-se unai). Ounaye é, na verdade, uma palavra inventada por Guiraudie, a primeira das várias onomatopéias, epítetos e nomes próprios sonoramente poéticos que contaminam coisas, personagens e títulos dos seus filmes. Já Agora é o momento (2005) fala de caçadores medievais, princesas e batalhas em pleno século 20. O anacronismo temporal, mais uma vez, é a marca da narrativa onde o espectador é confrontado a um universo instigante entre fábula e representação realista.

A política, que havia dado o tom das reivindicações da garota de Por um lugar ao sol, aparece mais frontalmente em Esse velho sonho que se move (2001). Guiraudie veste a camisa de militante anticapitalista e olha com ternura para a “pobre gente”, já cantada em versos por Victor Hugo e Dostoievski, ao evocar a falta de condições de trabalho e baixos salários que assolam os trabalhadores de uma pequena indústria. Mistura-se a isso um interessante questionamento sobre a condição dos homossexuais em meio operário. As relações entre homens de diferentes idades volta em Os fortes não descansam (2003), mas é em O rei da fuga e Um estranho no lago (2013) que o sexo gay torna-se instrumento político de contestação da ordem. Usando da chave da atemporalidade, Guiraudie aborda o tema de maneira frontal, sem rodeios, abusando, no entanto, das metáforas e dos elementos oníricos que transformam o sexo em algo muito além da pornografia.

Num tempo de desilusões e de culto à beleza e à juventude, Alain Guiraudie ousa fazer um cinema de corpos em busca pelo prazer, de utopias e filosofias libertárias, de volta às origens do ser humano, como um doce sonho, ao som de cigarras, com sotaque sulista e gosto de anis.

Pedro Maciel Guimarães é professor e pesquisador em história e estética do cinema e do audiovisual. Doutor em Cinema pela Universidade Paris 3 - Sorbonne Nouvelle, atualmente, é pós-doutorando da ECA-USP.



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