Publicado em 13/10/2016

Na mostra Novos Rumos de ontem, 12 de outubro, na pequena sala de exibição do Centro Cultural Banco do Brasil, o Festival do Rio recebeu a equipe e o elenco de Xale para debater o processo de criação e produção do filme. Ora com recursos documentais, ora com cenas claramente ensaiadas, o longa-metragem retrata o esforço de um brasileiro em resgatar a memória de seus antepassados armênios, testemunhada apenas por sua avó, Araci, acometida por um princípio de Alzheimer. Entre essa inevitável perda de memória e a vontade de recuperar lembranças de tempos passados, a relação entre avó e neto se desenvolve na tela.

O diretor Douglas Soares, já em sua primeira fala, destacou a proeminência da temática familiar em sua filmografia, tendo realizado anteriormente um curta-metragem sobre sua família materna. Assim, o estímulo primário envolvido na produção de Xale foi justamente a ideia de fazer um filme para sua avó. Esta inclusive interpreta seu próprio papel, apesar de nunca ter trabalhado como atriz. No que se refere à preparação de elenco, Felipe Herzog afirmou que trabalhar com atores não profissionais requer uma abordagem diferente, tendo em vista assegurar a tranquilidade da pessoa diante da câmera. “Ela se descobriu uma grande atriz aos 84 anos”, acrescentou o preparador.

Indagado sobre os aspectos documentais e ficcionais do filme, Soares declarou: “O real é a relação entre neto e avó. O resto está mais próximo da criação”. Allan Ribeiro, produtor que já colaborou com o diretor três vezes, reiterou o caráter híbrido de todos os projetos que realizaram juntos. Segundo ele, não interessa o que é verdade e o que é falso, uma vez que às vezes a própria ficção pode ajudar a desvendar e compreender melhor a realidade. Ainda sobre tais limites, Soares acrescentou que a espontaneidade e a imprevisibilidade das cenas gravadas na Armênia, que chegaram inclusive a fugir do roteiro, foram resultado de uma escolha consciente de abrir mão do controle completo sobre as filmagens; lembrando que, no entanto, esse controle sempre é retomado na montagem.

Ao adentrar a questão da edição do filme, que pode ser dividido em duas partes bem distintas – as sequências passadas na Armênia e as no Brasil, após o retorno de Soares de sua frustrada busca pelo passado da família – a discussão se encaminhou para o campo da linguagem cinematográfica propriamente dita. As imagens filmadas na Armênia, mais livres, foram montadas por Leandro das Neves, que segundo o diretor realizou um trabalho crucial de ressignificação dos quadros. Ribeiro observou que a câmera subjetiva na mão, na primeira metade do filme, dá lugar a planos majoritariamente fixos, na segunda, e Soares pontuou outras diferenças, tanto na montagem quanto na fotografia e no próprio número de personagens na tela, cada vez menor.

Will Domingos, que teve em Xale sua estreia como diretor de fotografia em longas-metragens, contou que, após as cenas acabarem, deixava a câmera ligada por mais alguns minutos, principalmente nas sequências de Araci. “O intervalo entre a Araci atriz e a Araci real é muito sutil”, acrescentou. No corte final foram utilizadas muitas dessas brechas de planos, desses pequenos momentos entre as cenas, além de claquetes sendo batidas e até, segundo o diretor de arte Luciano Carneiro, imagens de outro set de filmagem.

É importante destacar que Xale faz parte do conjunto de obras concorrendo ao Prêmio Félix, voltado para filmes dedicados ao universo LGBT. Comentando o assunto, Ribeiro ressaltou que normalmente, em festivais e premiações específicas do mundo LGBT, o filme não é considerado a não ser que a homossexualidade seja o tema central. No caso de Xale, ela é apenas um dos elementos da narrativa – nas palavras do próprio diretor, o tema é a família, a relação do presente com o passado e as lacunas na história, a maioria das quais, apesar dos esforços, continuam sendo apenas isto: lacunas.

Texto: Paula Lacerda

Fotos: Dave Avigdor




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