O CINEMA COMO CRIAÇÃO COLETIVA EM "MODELO VÍDEO" E "O LIVRO DOS PRAZERES" Debate aproximou os diretores Leonardo Lacca e Marcela Lordy
Um curta em animação a partir do desenho de modelo-vivo e um drama meio romântico, meio existencial, baseado na obra de Clarice Lispector aparentemente não têm nada em comum, mas o segundo debate da Première Brasil na tarde de sábado, 11/12, estabeleceu pontes entre as duas produções díspares. Com mediação do jornalista Luiz Carlos Merten, a conversa colocou lado a lado no palco do Estação NET Botafogo a produtora Bruna Rafaella Ferrer e o diretor Leonardo Lacca, de Modelo vídeo; e a diretora Marcela Lordy, a produtora Deborah Osborn, a atriz Simone Spoladore, o diretor de fotografia Mauro Pinheiro Jr. e a diretora de arte Iolanda Teixeira, da equipe de O livro dos prazeres.
Perguntado sobre a gênese de seu curta, Leonardo comenta que o filme começou a partir do grupo Risco!, de estudos de performance em modelo-vivo e desenho. A pandemia levou as sessões para o ambiente virtual, online, e assim surgiu o conceito de "modelo vídeo", pois o próprio modelo enquadrava seu corpo. Sem roteiro, a animação foi criada junto com os artistas Vi Brasil e Tiago das Mercês, que posaram numa sessão online para cem desenhistas de todo o Brasil. Num "estúdio caseiro de descoberta", em sua primeira incursão na animação, o cineasta diz que percebeu estar falando de ideia, criação, insegurança e desenho coletivo, pois todos os desenhos viram um único, novo, quando colocados em movimento. Bruna completa ressaltando que o grupo não tem pré-requisito, é aberto a qualquer pessoa interessada em performar ou desenhar, e até estreantes participaram do filme.
Falando em estreia, O livro dos prazeres é o primeiro longa ficcional de Marcela Lordy e a ela conta que foram muitos anos de pesquisa, dez tratamentos de roteiro e muita tentativa e erro. Segundo a cineasta, uma preocupação dela e da corroteirista argentina Josefina Trotta era usar a poética de Lispector sem com isso criar uma barreira ou dificultar a experiência do espectador. A "livre adaptação", como ela chama, também se inspira em coisas da vida da autora e por vezes incomoda o público masculino pela revolução do feminino que apresenta e pela força da mulher enquanto sujeito potente, não objeto.
Escolhida para interpretar a protagonista Lóri por seu "mistério", nas palavras da realizadora, Simone Spoladore nota como Clarice em nenhum momento usa adjetivos para definir a personagem e como isso dificultou o seu trabalho de criação. A atriz conta que buscou indicações sobre de onde vinha a dor de Lóri e não achou no texto, então começou a pensar em O livro dos prazeres como a reconstrução do mundo desfeito em A paixão segundo G.H., livro anterior de Lispector. Outra referência de Simone foi pensar a personagem como uma sereia que precisa aprender a não matar o amor dentro de si, insight aprovado e adotado por Lordy.
Da plateia veio um comentário emocionado de Teresa Montero, biógrafa de Clarice, e por fim os realizadores revelam o quanto foram transformados por suas jornadas criativas. Leonardo destaca a força coletiva - em especial a troca com os modelos-sujeitos - e o processo tocante de receber os desenhos de cada um dos participante por carta e incluir todos na animação, sem qualquer tipo de julgamento ou exclusão. Marcela constata que foi ingênua por não ter noção do trabalho que daria adaptar a "inadaptável" Clarice Lispector. Uma aventura de dez anos, complexa, com amadurecimentos e o aprendizado de deixar o livro para trás e inserir sua própria história. "Acho que todas as mulheres têm um pouco de Lóri, porque é um filme sobre mulheres livres", reflete a diretora.
Texto: Taiani Mendes
Foto: Frederico Arruda
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