Publicado em 12/10/2015

O Cine Encontro de ontem (domingo, 11 de outubro) teve o prazer de receber no Odeon o veterano cineasta Ruy Guerra, que, ao lado de parte do elenco e da equipe de Quase memória, conversou com o público sobre este que é o seu mais recente trabalho. Abrindo a sessão, Marcos Didonet, diretor do Festival do Rio, elogiou a vitalidade de Guerra: “Mais de oitenta anos de puro cinema”. O mediador, o crítico de cinema Rodrigo Fonseca, destacou a importância da obra de Guerra, citando o currículo do diretor, único do cinema brasileiro a ganhar dois ursos de prata em Berlim e um dos pais do Cinema Novo.

Sobre Quase memória, adaptação do famoso romance de Carlos Heitor Cony, filme que concorre ao Troféu Redentor deste ano, Fonseca sublinhou o fato de que a narrativa adota uma reflexão sobre o tempo, que surge quase como um protagonista. A esse respeito, Guerra confessou-se obcecado pelo tema, o que já pode ser observado em seus primeiros filmes: “Minha matriz de construção é sempre o tempo. Mas neste filme ele é um personagem central, porque a memória não existe sem o tempo”, explicou.

Projeto bastante antigo, Guerra enumerou as dificuldades para levar às telas um romance que considera emocionante, afetivo e cheio de humor, mas em que os códigos tradicionais de leitura são quebrados através de uma série de momentos anticlimáticos. O realizador afirmou ter cogitado desistir da empreitada, uma vez que precisou redimensioná-lo diversas vezes, encontrando outros eixos de leitura e muitas soluções criativas para lidar com o baixo orçamento. Esse processo árduo, no entanto, trouxe aspectos positivos, com o diretor terminando por escolher uma abordagem bastante diferente da proposta original: “Este filme é mais próximo de mim, mais experimental e mais afeito às minhas questões”, definiu Guerra.

Os roteiristas Bruno Laet e Diogo de Oliveira comentaram a intensa e enriquecedora tarefa de escrever em conjunto com o cineasta, um perfeccionista, que nunca se mostra plenamente satisfeito com os resultados alcançados. “O Ruy é, no mínimo, o maior ser pensante do cinema brasileiro, é um enorme desafio tentar seguir a cabeça dele”, aplaudiu Oliveira, ao que Laet completou: “Acho que esta é a versão número 72 do roteiro”.

Janaína Diniz Guerra (produtora) e Dandara Guerra (assistente de direção), filhas do cineasta que compõem a equipe do longa, discutiram a experiência de trabalhar ao lado do pai. “Ele não para, é muita criação o tempo todo”, revelou Dandara, para Janaína acrescentar: “Ele nunca está satisfeito, isso é um fato”. A produtora explicou ainda o longo caminho que percorreu com o projeto, no qual inicialmente desempenhava a função da irmã, tendo assumido a produção após algumas tentativas por parte de outros profissionais, que acabaram não conseguindo levar o filme adiante. “Agora ela manda em mim”, brincou o diretor.

Os membros presentes do elenco, os atores Charles Fricks e Julio Adrião, expuseram o nervosismo inicial de serem conduzidos por um nome tão célebre do cinema nacional. “O Ruy pra mim era um pintor no set, ele dirigia até a minha sombra”, disse Fricks, contando o sentimento um tanto angustiante de tentar atingir o mesmo grau de qualidade. “É o mito do Ruy Guerra. Eu queria agradar e alcançar o que ele queria”, esclareceu. “Foi importante humanizá-lo. Há um mito a desconstruir, e o Ruy nos ajudou muito nesse sentido”, concordou Adrião, que lembrou ainda a parceria com Tony Ramos no longa, que lhe demandou “outro exercício de desconstrução necessário”. O ator, que também integra os elencos de Nise – o coração da loucura e Aspirantes, mas em geral gravita com mais frequência pelo universo do teatro, concluiu: “Entrar no cinema por essas portas não podia ser melhor”.

Gisela Câmara, produtora executiva de Quase memória, recordou as filmagens, que se espalharam por diferentes cidades, incluindo Barra do Piraí (onde o filme contou com o apoio do Polo Audiovisual da cidade, criado em 2009), Rio de Janeiro e Passa Quatro. Já o distribuidor, André Sturm, declarou que, apesar de autoral, a obra é acessível e dialoga com os espectadores. “Vai ser uma experiência bacana tentar encontrar o público deste filme”, opinou.

Fechando a conversa − para desgosto da plateia, que se apressava a fazer toda sorte de perguntas −, o diretor falou um pouco da sua relação com o cinema contemporâneo. “Como eu posso competir com esses filmes imensos e cheios de efeitos especiais? Eu faço da maneira mais simples: não compito”, disparou. Questionado se consideraria filmar em 3D, Guerra respondeu: “Eu nunca vou ter dinheiro pra isso. Mas eu filmaria em 3D se pudesse chegar a um resultado estético interessante, e não apenas para obter um certo grau de realismo. Eu relaciono o revolucionário ao estético”.

Sem se afastar do tema central de seu novo longa, a memória, Ruy Guerra relatou a construção de sua relação afetiva com o cinema, contando que faz quase setenta anos desde que pegou em sua primeira câmera, uma 8mm, e discorreu sobre os destinos do universo cinematográfico. “O cinema ainda está na sua pré-história. Eu não sei o que vai ser dele porque não sou profeta, mas ele precisa de mais experimentação e menos acomodação. Aqueles que trabalham com arte devem ter uma responsabilidade com esse objeto, e pagar o preço necessário por isso”, arrematou o cineasta.

Texto: Maria Caú

Fotos: Lariza Lima




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