Publicado em 12/12/2021


Na tarde de sábado, 11/12, aconteceu o primeiro debate da Première Brasil do Festival do Rio 2021. Logo após a sessão de Manguebit, subiram ao palco do Estação NET Botafogo o diretor Jura Capela, o montador Rodrigo Lima e a produtora Ylla Gomes. Em conversa mediada pela professora de cinema Denise Lopes, o trio compartilhou com o público detalhes da produção e comentou a situação do audiovisual brasileiro.

Jura revela que Manguebit começou quando ele comprou uma câmera VHS-C justamente no momento em que a cidade de Recife estava fervendo. O cineasta conta que saía filmando tudo entre 1994 e 1998 e na primeira década dos anos 2000, sem pretensões ou ideia do que faria com aquilo, e por fim se viu com uma caixa de isopor cheia de fitas. A decisão de fazer o filme de fato aconteceu 25 anos após o início das gravações e Jura complementou seu material inédito e valiosíssimo com entrevistas de artistas que compõem o núcleo do movimento e de jornalistas musicais de São Paulo. De acordo com o ele, a grafia do movimento como aparece no título do longa - "manguebit" - é criação local, mas a imprensa paulistana acabou mudando para "manguebeat", trocando o "bit" tecnológico pelo "beat" de batida, e essa versão foi a que se eternizou.

Tanto a mediadora quanto os espectadores presentes no debate ficaram bastante curiosos a respeito do processo de edição do intenso longa-metragem, cujo primeiro corte tinha três horas e meia de duração. O montador Rodrigo Lima destaca a parceria de longa data com Jura e diz que a dificuldade de lidar com tanto material heterogêneo envolve aceitar os diversos formatos reunidos, dando fluxo e ritmo à essa mistura de janelas e texturas. Relacionado a isso, outro desafio foi polir o filme para que ele passe sem que o público sinta de forma brusca as várias mudanças de temas que se sucedem na obra. Rodrigo ainda ressalta sua relação afetiva com Recife e define o trabalhoso processo de montagem - que demorou alguns anos, entre idas e vindas e colaborações de outros profissionais - como "um grande, interminável e infinito diálogo".

Questionado sobre mudanças feitas no projeto ao longo de todo esse tempo de desenvolvimento, Jura explica que desde 2011 inscrevia o roteiro em editais e não passava. O jogo virou quando ele resolveu usar a pesquisa feita e incluir aspas dos envolvidos na estrutura. Seu objetivo, no entanto, jamais deixou de ser inventar uma narrativa experimental que mostrasse a cidade e fugisse do lugar conservador da TV, com planos fixos e cadeira. Daí as entrevistas feitas em motos em pleno tráfego, que chamam a atenção no decorrer do documentário, e a aproximação das artes plásticas na abertura.

Produtora de Manguebit, Ylla Gomes lembra do corte de investimentos que vem ocorrendo desde 2018 e da Ancine quase paralisada. "É muito gratificante ver esse filme na tela e ao mesmo tempo é muito angustiante ver [...] a gente em 2021 com os mesmos problemas do início da década de 1990: recessão, fome, miséria, violência....", desabafa, valorizando o impacto social do longa-metragem.

Sobre o futuro, o realizador Jura Capela afirma que sua única esperança no momento e o que mais o deixa feliz "é que faltam poucos meses para acabar esse governo desastroso". Segundo ele, há o projeto de fazer uma série com o material que sobrou de Manguebit, abordando de forma mais abrangente e atualizada tópicos como feminismo e periferia, além da própria herança do movimento, que à época recuperou o orgulho de cada um ser como é, brasileiro, nordestino, popular, sem precisar se basear em roqueiros anglo-saxões.

Texto: Taiani Mendes
Foto: Frederico Arruda

O Festival do Rio tem o apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da RioFilme, órgão que integra a Secretaria de Governo e Integridade Pública.



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