Publicado em 05/10/2024

Mambembe no Festival do Rio 2024, por Rodrigo TorresFabio Meira (à esquerda) com o elenco e equipe de Mambembe no Cine Odeon — Foto: Rodrigo Torres

Por Rodrigo Torres

O realizador Fabio Meira e a equipe do filme Mambembe deram o pontapé inicial, nesta tarde de sábado (05/10), nos debates da mostra competitiva da Première Brasil do Festival do Rio 2024, no Cine Odeon - CCLSR, na Cinelândia.

Mambembe é um filme sobre a tentativa de se fazer um filme que — como observou a mediadora e professora de cinema Lia Bahia — “aborda o cinema como processo, e não apenas como produto”, tal qual os clássicos brasileiros Bye Bye Brasil (1979), de Cacá Diegues, e Cabra Marcado Para Morrer (1984), do mestre Eduardo Coutinho.

“Precisamos fazer cada vez mais filmes como Mambembe”, defendeu a pesquisadora de cinema, tanto pela dimensão criativa e artística do longa-metragem documental, como por sua capacidade de metaforizar as dificuldades do cinema brasileiro, pelo qual cineastas como Fabio Meira precisam lutar bravamente para realizar seus projetos.

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Mambembe, de Fabio Meira
Mambembe, de Fabio Meira

Mambembe começou a ser realizado em 2010, quando o diretor viajou até uma cidadezinha do agreste pernambucano para selecionar três mulheres de circo para fazer seu filme. Por falta de recursos e outros problemas durante as gravações, a produção precisou interrompida durante 10 anos — para a angústia de todos os envolvidos no processo.

“Eu nunca desisti do filme”, diz Fabio Meira, contando que seu projeto nasce da “imaturidade e ingenuidade” de pensar que poderia gravar durante 4 semanas, com um orçamento próprio limitado, e retomar a produção logo em seguida, pois “era óbvio que conseguiria financiamento para terminar o filme”. Ele revela que foi recusado inúmeras vezes, durante vários anos, até pelos editais mais alinhados com o seu projeto. No cinema de guerrilha, Mambembe é um sobrevivente.

“Eu só consegui ser selecionado, e fui ter um dinheiro para retomar o filme, em 2018. E aí, é claro, o filme já era outra coisa”, conta Fabio, que teve a ajuda do cineasta Affonso Uchoa, do premiado Arábia (2017), para remontar Mambembe de um jeito diferente.

Mambembe, de Fabio Meira
Madona Show e Murilo Grossi em Mambembe, de Fabio Meira

A princípio, Mambembe contaria a história de um topógrafo errante e seu encontro com três mulheres de um circo mambembe. O filme, então, se transforma em um docudrama que retrata desde o processo de escalação do elenco, em 2010, até o reencontro do cineasta com as protagonistas Índia Morena e Madona Show, 10 anos depois. Isso ressignifica Mambembe como um filme sobre encontros.

“Pra mim, foi um choque”, diz Madona Show, quando perguntada como foi reencontrar o diretor Fabio Meira depois de tanto tempo que o filme fora gravado. Ela contou tudo: “Eu achava que nem teria mais filme. Mas, sempre que alguém perguntava ‘Cadê aquela história?’, ‘Cadê o Fábio?’, eu dizia: ‘Um dia ele há de aparecer’. E não é que um dia ele realmente apareceu? Quando eu o vi, minhas pernas tremeram. E eu fiquei feliz por ter visto ele de novo [sic]. Ele disse? ‘Vamos terminar o que a gente começou’. Começamos, fizemos outros pedacinho e… o Fabio sumiu de novo! ‘Meu Deus!’”, ela revela, arrancando gargalhadas da plateia.

Então, mais alguns anos depois, Madona recebeu uma das melhores notícias de sua vida: o filme estava finalizado e ela teria a oportunidade de, pela primeira vez na vida, voar de avião e conhecer o Rio de Janeiro. Aqui, ela pôde ver na tela histórica de um dos cinemas mais importantes de todo o Brasil que ela é a estrela de um filme único, que “faz muito bem ao cinema”, nas palavras da Profa. Dra. Lia Bahia.

Mambembe, de Fabio Meira
Índia Morena em Mambembe, de Fabio Meira

A carismática Índia Morena é a outra protagonista de Mambembe, a encerra o debate fazendo o que mais sabe fazer além de circo — contando história. “Eu fui para Brasília, para uma convenção só de mulheres, o teatro estava cheio. Quando perguntaram ‘Alguém quer falar?’, eu, que sou enxerida, logo levantei a mão. E disse: ‘Mulheres, vocês vão me perdoar. Antes de me apedrejar, deixem eu falar. Mas também, se eu acertar, me aplaudam. Eu sou mulher de circo. E talvez seja melhor que todos vocês aqui’”, diz ela, acrescentando o óbvio: a plateia ficou espantada com sua declaração. Algumas mulheres, irritadas. E continuou:

“‘Sabe por quê? Porque todas vocês, quando termina a rotina do dia a dia, vão ver televisão, vão ver filme… E nós de circo? Nós temos a obrigação de, quando termina a labuta do dia a dia, vestir as nossas fantasias para alegrar outras mulheres. Sabe por quê? Porque… Eu sou mulher de circo’. E todas as mulheres se levantaram e bateram palmas para mim”, conta Índia Morena, arrancando palmas da plateia no Cine Odeon também.

Quem vê Índia Morena, seja no debate, seja na telona, sabe que não seu discurso não tem a intenção de diminuir outras mulheres. Seu orgulho é outro: ser mulher de circo, contra todas as dificuldades. Hoje, já na terceira idade, ela é mulher de cinema. E que mulher de cinema. Índia Morena está eternizada como a estrela desta joia chamada Mambembe.

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