Publicado em 13/10/2024

SANDRA KOGUT, ATILA BEE, JULIANA CARNEIRO DA CUNHA, PEDRO FREIRE, CAROL DUARTE, YARA DE NOVAES, TATIANA LEITE E LEO RIBEIRO - FESTIVAL DO RIO 2024 - 11 DE OUTUBRO DE 2024 - ODEON - MALU. FOTO: DIONISIO.
Sandra Kogut comanda debate sobre o filme Malu, de Pedro Freire, no Cine Odeon - CCLSR — Foto: Dionisio

Por João Vitor Figueira

No drama Malu, de Pedro Freire, é como se o laço familiar que une três gerações de mulheres de uma mesma família estivesse amarrado em um cabo desencapado de alta tensão. Nesta dinâmica, o amor, o carinho e os abraços estão lá, mas dividem espaço com os ressentimentos, traumas intergeracionais e com as muitas feridas que essas personagens causaram umas às outras.

O retrato desta família, contudo, está longe de ser simplista ou de recair no melodrama, trazendo para a tela uma dimensão complexa dessas personagens, repleta de facetas e, principalmente, de humanidade, como pontuou a cineasta Sandra Kogut, que mediou um debate com a equipe do filme realizado no Cine Odeon - CCLSR na última sexta-feira (11).

Malu, de Pedro Freire
Malu, de Pedro Freire

“Essa complexidade que você está lindamente elogiando nos personagens, parte muito da minha memória”, comentou o cineasta, que faz sua estreia como diretor de um longa-metragem neste filme, que estreou no Festival de Sundance e passou por diversas outras mostras internacionais antes de integrar a Première Brasil do Festival do Rio, onde disputa o Troféu Redentor na competição principal. “São personagens baseados em pessoas reais, na minha mãe, na minha avó e a filha, Joana, é uma amálgama da minha irmã, Isadora, e de mim.”

Freire é filho da atriz Malu Rocha (1947 - 2013), que inspira o projeto e a personagem principal, interpretada por Yara de Novaes, centro gravitacional do filme. Com uma trama ambientada na década de 1990, a personagem-título é apresentada como uma mulher de meia-idade impetuosa, explosiva e excêntrica, mas carismática, cheia joie de vivre — nos momentos altos de sua montanha russa emocional.

Malu, de Pedro Freire
Malu, de Pedro Freire

No Odeon, Novaes foi saudada de joelhos pelo diretor Pedro Freire, que exaltou a atuação da atriz. Em sua fala, ela relembrou o processo de preparação para a personagem, elogiando a confiança do diretor,  compartilhando como foi desafiador construir o papel a partir das memórias de Pedro, sem recair em uma simples mimetização: “Apesar de ser uma memória, também é uma memória falsificada, como toda memória, principalmente uma memória que vai para a arte.”

No filme, a personagem Malu está na casa dos 50 anos e preserva uma rebeldia adolescente no constante antagonismo com os valores conservadores de sua mãe, Lili (Juliana Carneiro da Cunha). Além disso, ela vê na filha, Joana (Carol Duarte), que acabou de retornar da França cheia de aspirações para sua vida artística, um espelho que nem sempre é fácil de ser encarado.

Debate sobre o filme Malu, de Pedro Freire, realizado no Cine Odeon - CCLSR - Foto: Dionisio
Debate sobre o filme Malu, de Pedro Freire, realizado no Cine Odeon - CCLSR - Foto: Dionisio

Malu passa boa parte do tempo recontando histórias de seu passado glorioso como atriz, abordando também suas percepções sobre o papel do teatro na luta política nos tempos da ditadura militar e não escondendo sua frustração com as gerações mais jovens. Ela divaga sobre planos ambiciosos para o futuro que não irá concretizar, jurando que pretende construir um teatro popular na casa precária onde vive e se recusa a reformar por ainda trazer o nome do ex-marido na escritura.

Freire, tem décadas de experiência no audiovisual, tendo trabalhado com diretores como Karim Aïnouz, Lucia Murat e Marcelo Gomes, seja como assistente de direção, seja como preparador de elenco. Além disso, dirigiu curtas premiados como Se Por Acaso, que tem a supervisão artística de Abbas Kiarostami, e O Teu Sorriso, outra parceria com Juliana Carneiro da Cunha que também trouxe Paulo José no elenco. Na TV, trabalhou como diretor de séries e novelas.


Malu, de Pedro Freire

O roteiro de Malu foi desenvolvido ao longo de 5 anos, até a filmagem, que ocorreu em 2022. Em entrevistas, Freire já contou que sempre desejou que seu primeiro longa-metragem como diretor fosse um projeto especial para ele em um nível pessoal, chegando a recusar algumas propostas para comandar filmes mais comerciais. 

Ao longo da conversa com o público, Freire ressaltou que só conseguiu construir um retrato tão intimista e autêntico sobre essas personagens por conta do elenco do filme, porque “não tem roteiro que se sustente com atores fracos”. A preparação para filmagens durou apenas três semanas (mesmo tempo que as gravações), que foram de trabalhos intensos.

Malu, de Pedro Freire
Malu, de Pedro Freire

O processo de ensaio, inspirado pelos métodos de improvisação de Constantin Stanislavski e pelo cinema de John Cassavetes, permitiu que os atores acessassem os personagens de maneira mais autêntica. “A ideia é que você dê aos atores e atrizes a possibilidade de viver com verdade a improvisação puxa uma verdade, se você não sabe o que você vai dizer, você tem que ter verdade para estar em cena”, explicou o diretor, que acumulou as funções de produtor e preparador de elenco.

Carol Duarte, que interpreta Joana, destacou o prazer de trabalhar com Freire e com um elenco tão talentoso: “É um parque de diversões para a gente que é ator”.

Yara de Novaes e Átila Bee em Malu, de Pedro Freire
Malu, de Pedro Freire

Um dos diálogos mais fortes do filme se dá quando o personagem Tibira, interpretado por Átila Bee, confronta Lili. Ele interpreta um homem negro e gay que vive com Malu, para o incômodo da mãe da atriz, que não disfarça seu racismo. “Eu não vou deixar a sua maldade estragar a minha poesia”, diz o personagem em cena, após um gesto imperdoável da idosa.

Átila se emocionou ao compartilhar o impacto pessoal que o personagem teve em sua vida. Ele explicou que viver Tibira foi como reencontrar sua própria liberdade em um momento que ele passava por um processo de retração pessoal, provocado pela atmosfera política e social do Brasil.

“Fui percebendo o quanto eu tinha começado a me enquadrar num lugar tão ruim, por conta de toda essa energia que o nosso país vive. Isso foi me trancando. Aí o Tibira me mostra que a gente tem que estar bem, tem que andar pra frente, tem que continuar nessa luta por liberdade, incentivando as pessoas”, disse.

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