'Estamos aquilombando o Festival!': com filme que resgata levante negro histórico, Antônio Pitanga celebra Malês Lenda viva do cinema brasileiro, Antônio Pitanga retorna à direção após quase 50 anos com longa sobre a Revolta dos Malês, maior insurreição organizada por pessoas escravizadas na história do Brasil
Antônio Pitanga e equipe celebram a pré-estreia de Malês em uma sessão de gala realizada no Cine Odeon - CCLSR — Foto: Cláudio Andrade
Por João Vitor Figueira
Símbolo vivo da potência criativa do cinema nacional, Antônio Pitanga levou para o Cine Odeon - CCLSR o resultado de um sonho, que segundo ele, foi apenas "uma semente" por muitas décadas.
A pré-estreia de Malês, realizada na noite da última quinta-feira (10), na 26ª edição do Festival do Rio, fez florescer na tela um longa-metragem cujo projeto remonta às filmagens de A Idade da Terra (1980), quando o cineasta Glauber Rocha disse que gostaria de produzir um filme sobre a Revolta dos Malês com a direção do ator, que anos antes estreou como cineasta em Na Boca do Mundo (1979), na época um raríssimo filme brasileiro assinado por um diretor negro.
Glauber faleceria no ano seguinte, mas a vontade de contar a história do maior levante de pessoas escravizadas seguiu firme e forte em Antônio Pitanga, que comemorou a oportunidade de exibir seu filme na programação da Première Brasil: "Hoje a gente veio aquilombar o Festival!"
Antônio Pitanga e Ilda Santiago — Foto: Cláudio Andrade
Ilda Santiago, diretora-executiva do Festival do Rio, esteve presente na sessão de gala e afirmou que o evento tem a missão e responsabilidade de formar público para o cinema nacional, especialmente com histórias como Malês, que reforçam o orgulho e autoestima do país. Ilda destacou que a política tem o poder de garantir concretamente que direitos civis, inclusão e representatividade sejam garantidos para grupos marginalizados, mas destacou que a arte também tem um importante valor nesta luta. "Eu acredito no cinema como uma forma de verdade, de representar, de nos atravessar, de contar a história que precisa ser contada", comentou.
Ambientada em Salvador, a história de Malês se passa no ano de 1835 e tem início quando dois jovens muçulmanos são sequestrados na África e obrigados a embarcar num navio negreiro rumo ao Brasil, onde serão vendidos como escravos. Separados pelo racismo colonialista que desumaniza pessoas africanas, os dois tentarão se reencontrar na Bahia, sobrevivendo às humilhações e torturas da vida cativa até se verem envolvidos na maior insurreição negra do Brasil Imperial, que tinha como o objetivo acabar com a escravidão.
Antônio e Camila Pitanga — Foto: Kayane Dias
Em seu discurso, Antônio Pitanga citou a importância dos malês, muçulmanos letrados de diferentes etnias que eram deixaram um legado sentido até os dias de hoje na Bahia. "Eles tinham conhecimento da física, da engenharia, da aritmética, eram grandes cabeças pensantes", disse.
Antônio Pitanga foi ovacionado pelo público de mais de 500 pessoas presentes na sala mais tradicional do Festival do Rio, o que fez sua filha, Camila Pitanga, celebrar tudo o que o pai representa para a arte brasileira. "Quantos palcos eu já vi te aplaudindo de pé, com vigor, com olhos molhados. Porque você é esse ser encantador. Você é esse cara que tem essa trajetória de luta, de amor à vida e de realização. Você é realizador", disse ela.
Camila Pitanga — Foto: Kayane Dias
Camila Pitanga interpreta Sabina em Malês, filme que também conta com seu irmão, Rocco Pitanga, no papel de Dassalu. Além de dirigir, Antônio também estrela o filme no papel de Pacífico Licutan, importante líder da Revolta dos Malês, que lutou pela liberdade dos escravizados e exercia influência religiosa e política entre seus pares.
A atriz destacou a energia de seu pai, mencionando que, aos 85 anos, ele até jogou futebol antes da sessão de gala no Odeon. Camila também disse que espera que o longa-metragem, um filme de época que carrega uma mensagem tão atual, possa ser "instrumento para botar o Brasil na direção certa", dando o ponto de vista de pessoas negras sobre um momento muito importante da história do país.
A artista considera que filme vai ajudar o público a "entender esse país que não se subordina, que se ama, que pretende ser melhor, melhor no sentido de superar o racismo". Além dos filhos do lendário ator e diretor, o elenco de Malês conta também com Indira Nascimento, Samira Carvalho, Rodrigo de Odé, Bukassa Kabengele, Heraldo de Deus, Patrícia Pillar, Edvana Carvalho, Wilson Rabelo, Thiago Justino e Val Perre.
Sessão de gala de Malês no 26º Festival do Rio — Foto: Kayane Dias
Leia também:
- Apocalipse nos Trópicos: Petra Costa explora o Juízo Final da relação entre Igreja e Estado no Brasil
- Serra das Almas: Lírio Ferreira exalta a importância dos atores e das atrizes em filme com grande elenco
- Interceptado denuncia a crueldade e o rastro de destruição deixado pela Rússia na invasão da Ucrânia
- Paradeiros discute como a falta de Estado provoca falta no indivíduo até no momento de enterrar um ente querido
- Retrato de Um Certo Oriente: viagem de Beirute a Manaus atravessa fronteiras de cultura e identidade
Voltar