Publicado em 07/09/2024

Karim Aïnouz é o cineasta que mais vezes conquistou o Troféu Diretor de melhor direção — Foto: Davi Campana/R2Foto/Festival do Rio
Karim Aïnouz é o cineasta que mais vezes conquistou o Troféu Diretor de melhor direção — Foto: Davi Campana/R2Foto/Festival do Rio

Por João Vitor Figueira

Nota do editor: esta é a primeira matéria da série especial #MeuRedentor, que celebra personalidades do cinema brasileiro que estão marcadas na história do Festival do Rio com trabalhos que se destacaram na competição da Première Brasil. Novas páginas desta história serão escritas na cerimônia de encerramento da edição de 2024 do evento, que acontece entre os dias 3 e 13 de outubro.

Não é exagero dizer que Karim Aïnouz é um dos realizadores brasileiros mais celebrados do século XXI. Dono de uma filmografia autoral e vibrante, o cineasta é um dos nomes de maior projeção internacional do audiovisual brasileiro contemporâneo, tendo exibido seus longas-metragens para as plateias Cannes, Veneza e Berlim.

Em mais de duas décadas de carreira, o diretor construiu um corpo de trabalho notável, de poética própria, com ênfase em narrativas emocionais complexas. Seus protagonistas muitas vezes são retratados em jornadas de deslocamento, físico e existencial, onde a busca por algo que lhes falta é cruzada pelas dores, prazeres e belezas do cotidiano, sempre amparada por uma assinatura estética expressiva.

Karim Aïnouz após a cerimônia de premiação do Festival do Rio 2011 — Foto: Festival do Rio/Roberto Bonifácio
Karim Aïnouz após a cerimônia de premiação do Festival do Rio 2011 — Foto: Festival do Rio/Roberto Bonifácio

Em 2019, o realizador alcançou um feito histórico ao se tornar o primeiro brasileiro a vencer o prêmio principal da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes com o drama A Vida Invisível, marco em uma trajetória premiada que carrega uma forte conexão com o Festival do Rio.

A mostra carioca foi o primeiro grande festival do país a conceder uma honraria ao diretor cearense. Em 2006, a produção O Céu de Suely, segundo longa-metragem com direção assinada por Aïnouz, foi o grande destaque da Competição Oficial da Première Brasil e venceu o Troféu Redentor de melhor filme de ficção e o de melhor direção.

“Para mim é motivo de honra que a minha história esteja tão intrinsecamente ligada a do festival”, comemora Aïnouz. “O Festival do Rio, é como uma casa para mim. Guardo na memória momentos icônicos que vivi no festival. É um lugar de suma importância para a veiculação e celebração do cinema nacional. Fico realmente muito honrado de estar presente nessa história.”

Luiz Carlos Barreto entrega o Redentor de melhor direção a Karim Aïnouz por seu trabalho em O Abismo Prateado — Foto: Festival do Rio/Roberto Bonifácio

Karim ocupa páginas de destaque entre os nomes que já foram laureados com um Troféu Redentor. Com três conquistas acumuladas na disputa pelo prêmio de melhor direção da Première Brasil — por O Céu de Suely (2006), Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009, em codireção com Marcelo Gomes) e O Abismo Prateado (2011) —, o cineasta é o recordista isolado da categoria.

“Esse é o tipo de recorde que deixa a gente feliz demais”, celebra Aïnouz. “Meus filmes sempre foram muito bem recebidos no festival, sempre recebi muito carinho do público e crítica. Fico imensamente honrado desse recorde e espero mantê-lo!”


Karim Aïnouz no Festival do Rio 2014, edição no qual o cineasta presidiu o júri da Première Brasil — Foto: Rogerio Resende/R2Foto

O Abismo Prateado, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo e O Céu de Suely têm, cada um à sua maneira, uma abordagem sobre a relação entre o espaço e o estado emocional dos personagens. Os três filmes são marcados pela noção de fuga, de inconformidade e exploram a ideia de que seus heróis precisam perambulam por ruas e estradas em busca de si mesmos. Além disso, a experiência da solidão marca o trio de projetos de Aïnouz premiados no Festival do Rio.

Hermila Guedes em O Céu de Suely, vencedor do Troféu Redentor de melhor filme de ficção e melhor direção no Festival do Rio 2006 — Foto: divulgação/VideoFilmes
Hermila Guedes em O Céu de Suely, vencedor do Troféu Redentor de melhor filme de ficção e melhor direção no Festival do Rio 2006 — Foto: divulgação/VideoFilmes

“Foi depois de ter feito esses filmes que me dei conta que esse era um tema importante para mim”, comentou o diretor sobre a questão do deslocamento em seus filmes e sobre a influência do gênero do road movie nessas obras.

Nascido em Fortaleza em 1996, Karim Aïnouz é filho de uma bióloga cearense e de um engenheiro argelino que se conheceram nos Estados Unidos. Na juventude, se mudou da capital do Ceará para Brasília, onde se graduou em Arquitetura pela UNB. Após isso, passou uma temporada com o pai na França. Depois de Paris, fez mestrado em Nova York, se mudou para São Paulo e atualmente reside em Berlim. Neste sentido, o cineasta sabe como é experimentar os mais diferentes itinerários, de um exílio a outro.


Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, venceu o Troféu Redentor de melhor direção e melhor fotografia no Festival do Rio 2009 — Foto: divulgação/Espaço Filmes

“Foi muito natural. O lugar do deslocamento foi na minha vida um lugar muito presente em que busquei achar conforto”, comenta o realizador. “Isso obviamente transborda para as histórias que me interessam e para as personagens que convido a habitar o filme. Nesse sentido, o road movie aparece como um gênero que explora com excelência essa temática. Se a gente for ver, levo um pouco disso até em Marinheiro das Montanhas, meu filme mais pessoal.”


Hermila Guedes em O Céu de Suely, vencedor do Troféu Redentor de melhor filme de ficção e melhor direção no Festival do Rio 2006 — Foto: divulgação/VideoFilmes

Estrelado por Hermila Guedes, O Céu de Suely narra a jornada de uma mulher que retorna à sua cidade natal, a pequena Iguatu, no Ceará, com um bebê recém-nascido, fruto de uma paixão arrebatadora com um homem que a abandonou. Disposta a recomeçar sua vida longe dali, a protagonista rifa seu corpo prometendo “uma noite no paraíso”, atraindo interessados no sorteio e olhares enviesados.


Alessandra Negrini em O Abismo Prateado, que venceu o Troféu Redentor de melhor direção no Festival do Rio 2011 — Foto: divulgação/Vitrine Filmes

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo nasceu como um projeto documental de Aïnouz e Marcelo Gomes, mas ganhou caráter ficcional ao trazer a narração do personagem José Renato, um geólogo de Fortaleza que percorre o sertão e o semi-árido enquanto reflete sobre a solidão e a saudade que sente por sua amada. Inspirado pelos versos de Chico Buarque na canção “Olhos Nos Olhos”, Abismo Prateado apresenta Alessandra Negrini no papel de uma mulher devastada pelo abandono do marido no Rio de Janeiro.


Madame Satã, primeiro longa-metragem de Karim Aïnouz, fez parte da seleção da Première Brasil no Festival do Rio 2022 — Foto: divulgação/Miramax

Ao todo, 12 longas e curtas dirigidos, codirigidos ou roteirizados por Karim Aïnouz já foram exibidos no Festival do Rio, incluindo Madame Satã, trabalho de estreia do cineasta que traz Lázaro Ramos como personagem-título, que integrou a Competição Oficial da Première Brasil em 2002.

Em cartaz nos cinemas brasileiros, o neo-noir erótico-tropical Motel Destino é o trabalho mais recente do diretor. Rodado no Ceará, o longa-metragem marca um retorno do cineasta ao seu estado natal logo após ter lançado seu primeiro longa-metragem em língua inglesa, Firebrand, que integrou a mostra Panorama Mundial no Festival do Rio em 2023 e traz Alicia Vikander no papel principal.


Karim Aïnouz no tapete vermelho do Festival do Rio 2018 — Foto: Davi Campana/R2 Foto

“Motel Destino é o sonho depois do sonho. Me lançar no mercado internacional de filmes de língua inglesa foi sem dúvida algo muito importante na minha carreira, era o sonho”, revela o diretor, que exibiu o longa-metragem em Cannes, competindo pela Palma de Ouro pelo segundo ano consecutivo. “Depois de Firebrand, voltar para o Ceará, para cidade praiana de Beberibe, e filmar naquele sol que não cessa foi o sonho que se sonha depois. Um deleite. A maior saudade é aquela que a gente só descobre matando. Eu estava morrendo de saudade de filmar no Ceará, filmar nossos corpos, nossos desejos, nossa luz. Foi uma alegria sem fim.

Motel Destino (2024), de Karim Aïnouz - Foto: divulgação/Pandora Filmes
Motel Destino (2024), de Karim Aïnouz — Foto: divulgação/Pandora Filmes

O filme conta a história de Heraldo (Iago Xavier), um fugitivo que se abriga em um motel de beira de estrada e se envolve em uma relação perigosa com Dayana (Nataly Rocha), esposa do dono do estabelecimento, Elias (Fábio Assunção). Em entrevista recente, o diretor afirmou que o longa-metragem representou um desejo seu de fazer um cinema explicitamente popular. Para o cineasta, produções autorais precisam fazer frente ao cinema comercial.

“A gente fala hoje de uma sociedade que vive em frente a telas. E isso poderia ser o paraíso para qualquer cineasta. Mas [as pessoas] não conseguem se ater mais que 3 minutos [ao que estão assistindo]. O filme de autor hoje é o filme que ainda busca a resistir à lógica pasteurizada das produções ditas populares. Acho que devemos sequestrar o termo 'popular' e trazê-lo para perto da arte. Assim tentaríamos driblar o desconforto que sempre vem na disputa da preferência do público.”

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