Publicado em 09/10/2024

Elenco e diretor de Kasa Branca apresentam o filme no Cine Odeon - CCLSR - Foto: João Vitor FigueiraElenco e diretor de Kasa Branca apresentam o filme no Cine Odeon - CCLSR - Foto: João Vitor Figueira

Por João Vitor Figueira

Kasa Branca é um filme sobre a favela, mas não um favela movie. Luciano Vidigal, ator, preparador de elenco e cineasta, contou que o projeto nasceu de uma necessidade de “subverter narrativas” e fugir do retrato estilizado da violência ou da mera denúncia das mazelas sociais nos filmes ambientados em comunidades do Rio de Janeiro.

Luciano, nascido e criado na favela do Vidigal, que carrega como sobrenome, faz sua estreia solo como diretor de longa-metragem com Kasa Branca, apresentado na última terça-feira (8) no Cine Odeon - CCLSR, em uma sessão seguida de debate. O filme integra a competição principal da Première Brasil e fez sua estreia mundial no Festival do Rio. Na tela, há a história de jovens negros que, mais do que sobreviver às adversidades, revelam uma pulsão de vida poderosa: eles cuidam uns dos outros, de suas famílias e encontram nos afetos e nas amizades um caminho de resistência e subversão de estereótipos.


Kasa Branca, de Luciano Vidigal
Kasa Branca, de Luciano Vidigal

“Depois de Tropa de Elite e Cidade de Deus, ficou em evidência o favela movie”, avalia o cineasta. “Quando o Cacá Diegues me convidou para dirigir um dos episódios do Cinco Vezes Favela, ninguém queria fazer um segmento sobre violência e eu acabei dirigindo o mais violento (risos). Estávamos fugindo disso”, avaliou o cineasta. 

O diretor argumentou que o público também quer ver as histórias das pessoas trabalhadoras que ele observa descendo do morro todos os dias, antes mesmo do dia clarear, para buscar seus sonhos e seu sustento. “A maioria das pessoas que vivem nesse lugar são pessoas trabalhadoras, são pessoas afetuosas. Infelizmente havia uma defasagem desse tipo de narrativa no cinema brasileiro.”


Kasa Branca, de Luciano Vidigal

Amizade, lealdade e memória são três dos principais temas do filme, que faz um retrato carinhoso da masculinidade negra periférica na Chatuba, no município de Mesquita (RJ), através da relação dos protagonistas Dé (Big Jaum), Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco). “Como homens pretos, crescemos ouvindo que demonstrar uma vulnerabilidade seria um sinônimo de fraqueza”, comentou Diego durante o debate. “Na minha visão, é o contrário. Quando a gente se permite passar por essa dor, sentir e ressignificar, a gente fica muito mais forte lá na frente.”

Sem apoio de nenhum familiar, Dé conta com a ajuda de seus amigos para cuidar de Almerinda, sua avó, que está com Alzheimer em estado avançado. Juntos, todos se esforçam para que os últimos dias dela sejam vividos da melhor maneira possível, revisitando lugares importantes para a sua história, como um parque de diversões onde viveu um romance e o topo de um morro que serve como mirante para a Baixada Fluminense, que marca um registro feliz da senhora feito décadas antes. O elenco traz ainda a presença de Gi Fernandes, Ingrid Ranieri e Kibba, além da participação especial de Babu Santana, Roberta Rodrigues e do rapper L7nnon.


Kasa Branca, de Luciano Vidigal

“Sou do Vidigal e podia ter filmado lá. Mas desde o início eu queria uma favela plana”, contou o diretor, que disse querer sair de seu lugar de conforto em Kasa Branca. “Eu adorei, porque eu frequentava muito Nova Iguaçu e o trem virou um personagem. Tentei o tempo inteiro buscar a poesia daquele lugar, que é muito poético para mim. O mundo precisa ver aquele lugar. Cinema também é território. Queria mostrar Mesquita e a Baixada Fluminense para o mundo.”

A sensação de orgulho por apresentar uma parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro pouco representada no cinema nacional marcou as falas dos jovens integrantes do elenco, que inclui novos talentos que atuaram em um longa-metragem pela primeira vez neste projeto. 

Kasa Branca, de Luciano VidigalKasa Branca, de Luciano Vidigal

“O cinema não só transforma a gente, mas também o local onde ele está sendo realizado”, comentou Big Jaum, protagonista do filme, que apesar de não ser de Mesquita, disse que a experiência de ser favelado e trazer consigo uma bagagem cultural com similaridades, uniu o elenco. O ator, que também é comediante, celebrou o trabalho de preparação de elenco conduzido por Vidigal, Fátima Domingues e João Vitor Nascimento. “Se quiser economizar na preparação, chama a Fátima. Um mesinho já tá bom”, brincou, atraindo os risos da plateia.

Sobre este processo de preparação, Luciano Vidigal contou que espalhou cartazes com mensagens que definiu como “frases de subversões” pela sala onde o elenco ensaiava, com dizeres como “Aqui o homem preto chora” ou “Aqui você é frágil”, dizendo que para este filme era fundamental quebrar estereótipos e discursos objetificadores sobre o homem negro.

Kasa Branca, de Luciano Vidigal

Kasa Branca, de Luciano Vidigal

Em termos tonais, o diretor disse que seu filme está sintonizado com a proposta de alguns trabalhos da produtora Filmes de Plástico, citando Marte Um (2022), de Gabriel Martins, como outra obra que constrói imaginários afáveis da experiência negra periférica no cinema brasileiro contemporâneo. Ao falar sobre influências, citou o neorrealismo italiano, que foi sua primeira referência cinematográfica quando estudava cinema no grupo Nós do Morro.

“A qualidade é o parâmetro para entrar no mercado”, avaliou o diretor de Kasa Branca. “Ninguém quer saber se sou da favela, se sou preto. As pessoas querem um filme bom para se entreter, se emocionar. O Nós do Morro me ensinou a buscar essa qualidade, a estudar e ter referências.”

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