Johatsu - Os Evaporados revela submundo de japoneses que somem por vontade própria para recomeçar a vida Documentário retrata o drama daqueles que abandonam sua identidade e a ausência sentida pelos entes queridos, reflete sobre uma série de questões sociais que levam as pessoas a uma atitude tão radical
Johatsu - Os Evaporados, de Andreas Hartmann e Arata Mori
Por Rodrigo Torres
Uma das melhores dicas que os veteranos de Festival do Rio dão para o grande público é buscar filmes que apresentem outras culturas e realidades mundo afora, novas formas de fazer cinema e aqueles filmes que dificilmente encontraremos no circuito comercial em outras épocas do ano. Uma dessas joias raras é Johatsu - Os Evaporados, e segundo os próprios responsáveis pela programação desta 26ª edição do festival.
“Um dos principais objetivos do Festival do Rio é a oportunidade de, todas as vezes que vocês entrarem na sala de cinema, vocês conhecerem o mundo inteiro”, disse Pedro Carneiro, programador responsável pela curadoria dos filmes internacionais do Festival do Rio 2024. Lembrando que essa é a missão do evento “há mais de 25 anos”, ele completa: “Eu acho que Johatsu é isso. Um filme de imersão cultural. Um filme para alimentar a curiosidade de vocês”, ele diz, contente em ver a sala lotada do Estação NET Rio, na noite da última terça-feira, dia (8). A seleção deu certo.
Andreas Hartmann e Arata Mori no Festival do Rio 2024 — Foto: Rogerio Resende
Escalado na mostra Expectativa, Johatsu - Os Evaporados é, de fato, o típico filme que chama atenção ao ler sua sinopse. O documentário nipogermânico investiga por que hoje, no Japão, existe um mercado de empresas especializadas em fazer “mudanças noturnas” e apagar vestígios de pessoas com vidas estabelecidas, para que elas possam deixar sua vida pregressa para trás e começar uma vida nova, ainda que (bem) mais modesta. Essas pessoas são conhecidas como johatsu, e elas já totalizam um número alarmante: 80 mil pessoas por ano.
“A ideia de fazer esse filme começou há 10 anos, enquanto eu trabalhava em outro documentário no Japão, sobre um jovem que decidiu viver como sem-teto por escolha própria”, diz o cineasta alemão Andreas Hartmann, referindo-se ao longa-metragem que dirigiu e roteirizou sozinho anteriormente, Free Man (2017). “Aquilo era uma espécie de fuga, e uma história de desaparecimento. Foi então que eu descobri que existia um fenômeno maior ainda, conhecido como johatsu”, ele lembra.
Johatsu - Os Evaporados, de Andreas Hartmann e Arata Mori
Durante esse tempo, o alemão Andreas Hartmann conheceu o trabalho de Arata Mori — um artista de Tóquio baseado há 15 anos em Berlim – e, então, eles decidiram “fazer esse filme juntos”. Arata Mori explica: “Em japonês, 'johatsu' significa ‘pessoas desaparecidas’. Mas esses desaparecimentos são tratados como um tabu, ninguém no Japão toca nesse assunto. Por isso, nós ficamos muito surpresos ao descobrir que, na verdade, havia muitas pessoas dispostas a falar sobre isso abertamente”.
Johatsu - Os Evaporados foi realizado durante um período de quatro anos, tendo começado antes do isolamento da covid-19 e terminado após esse período. Isso não fez mal ao filme, pelo contrário. Assim como o voto de silêncio provoca um efeito contrário nas pessoas, fazendo elas terem vontade de falar, o tempo alongado de produção do documentário por causa da pandemia fez os cineastas ganharem a confiança dos entrevistados, que ficaram mais à vontade para se abrir sobre a vida pessoal — algo particularmente especial em se tratando de uma sociedade mais reclusa como a japonesa.
Andreas Hartmann e Arata Mori no Festival do Rio 2024 — Foto: Rogerio Resende
“Não sabemos como os brasileiros vão reagir a esse filme, porque há uma grande diferença entre o Japão e o Brasil – assim como todo país do outro lado do mundo. Isso é algo que a gente está realmente animado para saber”, disse Mori, que tem visto esse olhar estrangeiro sobre sua terra natal em diferentes festivais mundo afora, como o CPH: DOX, na Dinamarca, o Thessaloniki Documentary Festival, na Grécia, o Dokfest Munchen, na Alemanha, e o Krakow Film Festival, na Polônia.
Na verdade, o circuito internacional tem sido a oportunidade única de Johatsu se comunicar com o público, e por um motivo curioso: “Esta é uma sessão especial, pois esta versão do filme não pode ser exibida no Japão. Uma condição para as pessoas aceitarem participar e mostrar seus rostos foi que Johatsu fosse lançado somente para o público estrangeiro, e não para o público japonês. Então, este é um momento precioso”, disse Hartmann, que estava “muito feliz com a estreia do filme na América do Sul”, agradecendo à organização do Festival do Rio pela oportunidade.
Johatsu - Os Evaporados, de Andreas Hartmann e Arata Mori
Como você pode imaginar, os desaparecimentos no Japão decorrem dos motivos mais variados, desde a vergonha de desonrar seu nome após falir um negócio de família até com a famosa Yakuza, a máfia japonesa. Johatsu aborda temas como frustração, arrependimento, ausência e o efeito desse fenômeno nos parentes que amam os “evaporados” e não têm conhecimento do seu paradeiro. Uma realidade tão dramática que a sociedade e as autoridades japonesas tentam ignorar, e levou Mori e Hartmann a fazer um filme totalmente independente.
Talvez por isso, pela liberdade que seus realizadores tiveram, Johatsu - Os Evaporados seja um documentário tão interessante, e capaz de se comunicar mesmo com plateias estrangeiras. Arata Mori sabe disso, e provoca: “Estamos ansiosos com a exibição deste filme no Brasil, para saber o que todas essas histórias de desaparecimento dizem para vocês, e para que vocês possam refletir sobre todas as vezes que vocês pensaram em sumir da sua própria vida”.
Confira as próximas sessões de Johatsu - Os Evaporados:
SAB (12/10) 13:45 Estação NET Gávea 3
DOM (13/10) 17:00 Estação NET Rio 2
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