Publicado em 03/11/2018

Por: Mariana Isis

O primeiro sábado da Première Brasil: Retratos (03/11) contou com a exibição de Márcia Haydée, documentário dirigido por Daniela Kauffmann que realiza uma trajetória da vida pessoal e artística da bailarina brasileira internacionalmente reconhecida e influente. Não só o filme explicita o caminho seguido por Márcia em trabalhos com grandes coreógrafos da segunda metade do século XX (John Cranko e Maurice Béjart sendo alguns dos mais notórios), como também destaca o estilo interpretativo único de Haydée que, unido à sua técnica apurada na arte da dança, concedeu seu fator distintivo dentre as outras prima ballerinas. 

A sessão foi seguida de um debate com a diretora, o produtor Marco Altberg, a própria Márcia Haydée e seu marido, Günther Schöberl. A cantora Vanessa da Matta também estava na plateia, prestigiando o evento. O filme estreia no dia 20 de dezembro nas capitais, segundo Altberg.

Cristina Grillo abriu a mesa perguntando a Márcia sobre seus planos, e a Altberg e Kauffmann sobre como tinha nascido o projeto. “O melhor ainda está por vir”, afirmou primeiramente Márcia, que aos 81 anos se mostra animada com seu futuro na dança – ainda que indefinido – e fez elogios ao documentário na construção da retrospectiva de sua carreira. Sobre a concepção do filme, Altberg atribuiu Monica Athayde, irmã de Haydée, como “a responsável pela existência desse filme”; logo, quando o produtor passou a buscar recursos, encontrou Daniela Kauffmann, bem como a roteirista Júlia de Abreu para formarem a equipe realizadora. 

A diretora completou: “Além de a gente conseguir contar um pouco a história dela profissionalmente, a gente conseguir chegar perto da pessoa que ela é, foi uma coisa importante.” Se as falas dos realizadores já tinham revelado Márcia como uma figura cativante, o tom celebratório dos espectadores à presença da bailarina tornou-se mais e mais evidente a cada pergunta que era a ela direcionada, frequentemente acompanhadas de elogios e agradecimentos por parte do público. Contou algumas histórias da vida pessoal, dentre elas dois momentos difíceis: a chegada ao “rígido” Royal Ballet School e o falecimento de John Cranko.

Ao expor seus pensamentos sobre as possibilidades do ballet atingir à sensibilidade popular, Márcia Haydée enfatizou a mudança ocorrida na dança ao longo dos anos, em especial pelas mãos de criadores que produziram ballets muito fortes e dramáticos, como o citado balé de Cranko sobre o Holocausto. Afirmou também: “Você tem que mostrar de tudo. Mas também não somente mostrar a realidade, porque existe uma outra realidade, uma realidade que nós não vemos. Uma realidade que está aqui vivente, mas que nós não vemos. E se não damos isso também a vocês, a vida seria muito difícil.”

Quando questionada sobre suas interpretações, Haydée afirmou que desenvolveu-las o lado de coreógrafos, apesar de não ter passado por uma escola de teatro; ainda assim, considera que era a interpretação o mais importante para ela. Sobre o futuro da arte no país e no mundo, Márcia afirmou: “Eu acredito muito que a arte será sempre uma necessidade para cada país no mundo. Eu sei que, no Brasil, no momento estamos passando por mudanças, mas o brasileiro nasceu pra arte. Os melhores bailarinos são brasileiros. Eu sou brasileira!”, brincou a coreógrafa, despertando risos no público.

Daniela Kauffmann comentou que Márcia não precisou de uma direção por parte da equipe, mas a ideia era levá-la a lugares onde pudesse alcançar o sensível nos dias de hoje: daí é de onde veio a ideia de entrevistar a bailarina no topo do Teatro Municipal do Rio de Janeiro; “a Márcia é tão acima de qualquer coisa, que eu só poderia levar ela acima do Teatro Municipal.” Em seguida, perguntada sobre o reconhecimento de coreógrafos emergentes, Haydée disse que mesmo os jovens alemães gostam de trabalhar com ela na atualidade, e frisou que adora Deborah Colker.

Por fim, pediu-se que Haydée estabelecesse uma relação entre as bailarinas de antigamente e as de hoje em dia. Reforçou que, sem sombra de dúvidas, os bailarinos da atualidade apresentam um preparo físico e técnico apuradíssimo, contudo ressaltou que não deveriam se esquecer do elemento interpretativo; afinal de contas, diz ela, o primeiro aspecto a ser notado pelo público é o carisma do bailarino, sua alma.

De personalidade forte, Márcia Haydée mostrou um lado descontraído, brincalhão e envolveu a plateia de admiradores, especialmente por não ter abandonado aquele elemento que fortalece as narrativas da dança e as possibilita extrapolar a provação dos limites corporais (“a perna mais alta, o número máximo de piruetas”), adentrando um campo em que a arte pode sensibilizar e construir outras realidades possíveis, como dizia Haydée. É este o componente interpretativo por ela tanto ressaltado que ajuda a tornar sua arte memorável, construindo a partir da arte da dança um elo entre expressão corporal e expressão da alma marcantes.




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