Incondicional – O Mito da Maternidade: documentário descarta cartilha de comportamentos esperados para mães Filme de Patricia Froes leva para a tela nove personagens de contextos e realidades distintos em busca de traçar um panorama geral através das especificidades das vivências de cada uma. Linguagem em primeira pessoa reforça tom intimista e quase confessional dos depoimentos das mães
Incondicional – O Mito da Maternidade, de Patrícia Fróes
Por Laís Malek
Filmes que tratam de maternidade não são exatamente uma novidade no cinema, brasileiro e internacional. O documentário Incondicional - O Mito da Maternidade, no entanto, traz uma abordagem diferente ao apresentar mães que dizem abertamente desgostar da experiência da maternidade. O filme, que compete na mostra Première Brasil: Novos Rumos do Festival do Rio, foi exibido na tarde da segunda-feira (7) no Estação Net Rio, seguido de um debate de equipe e elenco com os espectadores.O documentário, que tem como objetivo desmistificar os elementos que se apresentam como intrínsecos à experiência de ser mãe — como a conexão instantânea com a criança, o instinto materno, a sensação de alegria e gratidão durante todo o puerpério — também aproveita para se despir do lugar de mero observador da realidade. A diretora conta que a história nasceu de uma “necessidade pessoal” de compartilhar as experiências que teve com o nascimento do filho Lino, hoje com nove anos.
“É um filme que me fez falta quando eu fui mãe e que eu gostaria de ter visto. Me senti muito sozinha, muito enganada, não veio nada do que me prometeram. Quis que o filme fosse uma companhia para as mães que passam por isso. Fiz o filme em primeira pessoa e são maternidades que, de certa forma, ecoam a minha”, conta Patrícia.
Patrícia se insere na narrativa de diferentes maneiras. Ela conduz a obra através da narração que leva conceitos e dados para o público: o baby blues, termo que engloba todas as sensações que resultam em uma baixa de energia no pós-parto, uma pesquisa que aponta que a disparidade salarial entre homens e mulheres é mais marcante quando as trabalhadoras são mães, e também compartilha alguns desafios da rotina de cuidados com o filho. Ela também utiliza seu acervo pessoal para costurar a trama, através de imagens de videocassete da sua infância e registros do parto de seu filho.
Incondicional – O Mito da Maternidade, de Patrícia Fróes
“Eu nunca pensei em fazer esse filme de outra forma. Para mim, sempre foi um filme em primeira pessoa, que partiria de uma experiência pessoal, com uma equipe muito pequena só de mulheres. E que construiria entrevistas muito intimistas, onde eu estaria me expondo tanto quanto essas mulheres. Era basicamente um convite pra puxar uma cadeira, sentar comigo e conversar sobre isso, então achei que o justo era me expor também”, revela.
Nos depoimentos, nove mulheres de diferentes contextos, etnias e relações com a maternidade respondem perguntas da diretora. Um dos assuntos que mais aparecem é o da solidão materna diante de tantas tarefas e obrigações com os filhos, vivida também por aquelas que, pelo menos na teoria, tem um companheiro para dividir as tarefas. Uma das mães, Lian Tai, aborda a necessidade de um esforço coletivo, seja através de uma rede de apoio, de políticas públicas, ou da construção de um novo sistema social.
“Nessa discussão sobre trabalho, porque cuidado é um trabalho, se fala muito sobre uma divisão mais simétrica entre mãe e pai. Mas a discussão não é sobre a ideia de que duas pessoas sejam capazes de cuidar de uma criança, porque não são. Mesmo em famílias que não são heteronormativas, a sociedade está estruturada para ter uma pessoa cuidadora e outra provedora. Então, a ideia é romper esse modelo e encontrar formas comunitárias e coletivas de se viver e estar no mundo. E isso não vai ser dentro do capitalismo. É uma utopia, mas acho que a gente começar a falar e repensar esse modelo de sociedade seja a fenda”, analisa.
Incondicional – O Mito da Maternidade, de Patrícia Fróes
A linguagem do filme também chama atenção. Logo na primeira sequência, Patrícia aparece brincando com o filho em um parque, e com uma dose de humor revela todo o trabalho que foi preciso para a produção daquela imagens. Diretora de fotografia, figurinista, maquiadora, assistentes e produtoras de set aparecem na tela, exemplificando o esforço hercúleo - e muitas vezes ignorado - de fazer acontecer. Os enquadramentos das personagens durante as entrevistas também deixam à mostra os monitores, as câmeras, os elementos de som, além dos profissionais envolvidos.
Além da narração, a montagem cumpre o efeito de amarrar as histórias. A máxima das dores e delícias da maternidade se reflete em tela na composição entre relatos de dificuldade intercalados com toques de humor. A roteirista e montadora Livia Arbex comentou sobre o processo de encaixar as diferentes vivências de uma maneira coesa e ao mesmo tempo leve. “O filme é todo desmontado, as claquetes estão aparentes. No audiovisual, é difícil pensar em algo que nunca foi abordado, mas a forma como esse tema é abordado é algo relativamente novo. Ninguém fala sobre isso do jeito que estamos falando. O elemento do humor é muito importante para a gente manter e construir uma certa leveza”, explica.
Debate de Incondicional – O Mito da Maternidade, de Patrícia Fróes, com a presença de equipe e elenco
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