Publicado em 03/10/2024

Fachada do Cine Odeon - CCLSR na abertura do Festival do Rio 2023 - Foto: Festival do Rio
Fachada do Cine Odeon - CCLSR na abertura do Festival do Rio 2023 - Foto: Festival do Rio

Por João Vitor Figueira e Laís Malek

A cidade do Rio de Janeiro já contou com mais de 170 cinemas de rua, distribuídos por todas as regiões da antiga capital federal. Esse cenário foi se modificando a partir da década de 1970, por diversas razões, muitas delas atreladas a transformações urbanas e imperativos econômicos, que alteraram a cartografia do circuito carioca de espaços exibidores.

Ainda hoje, ainda que em menor número do que no passado, as tradicionais salas de rua existem e resistem, sendo espaços celebrados por sua importância histórica pelo Festival do Rio, que em 2024 traz sessões em 17 salas de cinemas do tipo.

Entre essas salas, se destaca o exuberante Cine Odeon - CCLSR, instituição quase centenária que é palco de sessões de gala, debates com realizadores e diversas sessões especiais, a jóia da coroa do nosso circuito.

Nesta quinta-feira, 3 de outubro, o tradicional cinema será palco da Gala de Abertura da 26ª edição do Festival do Rio, que terá a projeção do elogiado drama musical Emilia Pérez, de Jacques Audiard, longa premiado em Cannes e forte concorrente ao Oscar 2025. A sessão marca mais um capítulo tanto da longa parceria do evento com esta icônica sala de cinema, quanto da memorável história de uma dos espaços exibidores mais importantes do Brasil.

História do Odeon


Fachada do Cine Odeon - CCLSR na década de 1930 - Foto: Augusto Malta/Acervo IMS

O Odeon foi inaugurado em 1926, sendo o quarto prédio construído no chamado "quarteirão dos palácios de cinema" que enchiam de charme a Cinelândia. O prédio tem estilo eclético, com traços dominantes do estilo neoclássico em sua fachada, que é tomabda, dividindo o espaço com outros atrativos da Cinelândia, região de profunda importância para a vida pública da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil, onde também se localizam o Museu Nacional de Belas-Artes, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, o Centro Cultural Justiça Federal e o Palácio Pedro Ernesto.

Antes de 1926, o cinema funcionou na antiga Avenida Central (atual Rio Branco), na esquina com a Rua Sete de Setembro, de forma intermitente, entre 1909 e 1918. Com ares luxuosos e elegantes, o local também era conhecido pelo apelo da música que ressoava na sala de espera do cinema. Em 1909, o célebre pianista Ernesto Nazareth, que entretia o ambiente antes das sessões, compôs o choro "Odeon", que ganhou letra de Vinícius de Moraes na década de 1960, tornando-se um grande sucesso.

O nome do cinema tem origem na Antiguidade. Eram chamados de "odeons" os teatros greco-romanos onde eram proclamadas as odes, tipos de poema ou canção importantes para a vida cultural da Grécia Antiga. Por este motivo, muitos teatros e cinemas de todo o mundo trazem este mesmo nome.

Fachada do Odeon em 1926 - Foto: Luciano Ferrez/Fundo Família Ferrez/Arquivo Nacional
Fachada do Odeon em 1926 - Foto: Luciano Ferrez/Fundo Família Ferrez/Arquivo Nacional

"A Cinelândia é criada inspirada nos grandes centros culturais europeus, especialmente Paris. Ali tem grandes prédios com esse modelo arquitetônico inspirado numa cultura parisiense. O Theatro Municipal, que também é do início do século XX, surge nessa perspectiva. A Cinelândia é literalmente projetada para ser o epicentro desse novo momento brasileiro, onde o glamour, o luxo dessa vida pública, dessa vida cultural é um dos focos principais", explica Ana Clara Tavares, doutoranda em História Social da Cultura (PUC-Rio) e pesquisadora do Rio Memórias.

Para a pesquisadora, o Odeon sobreviveu à expansão comercial de outros projetos urbanísticos, que resultaram no fechamento dos demais cinemas da Cinelândia, por conta de seu valor histórico-cultural. Para ela, o Odeon se tornou o grande símbolo da Cinelândia já na era de ouro dos cinemas de rua, quando a vida coletiva do Centro do Rio era muito associada à apreciação da sétima arte por parte das elites.

"O Odeon era, sim, o principal palco da efervescência cultural [dos anos 1920] e tinha se tornado, já naquela época, esse ponto de encontro dessas elites, dessas classes médias, já possuia uma relevância histórica que foi sendo mantida e preservada", avalia. "Isso provavelmente fez com que a preservação dessa memória e desse patrimônio fosse muito mais eficaz, muito mais forte", completa Tavares.

Fachada do Cine Odeon antes da premiação do Festival do Rio 2022 - Foto: Davi Campanha
Fachada do Cine Odeon antes da premiação do Festival do Rio 2022 - Foto: Davi Campanha

A pesquisadora considera que a importância histórica do Odeon fez com que parceiros privados, o poder público e a própria população do Rio de Janeiro se esforçassem para manter vivo esse espaço quase centenário. "O Odeon é um espaço de referência para eventos culturais, em geral, mas em específico para o Festival de Rio, que é um dos principais festivais de cinema da América Latina, extremamente relevante, que faz com que esse espaço se torne um espaço de debates, de mostras especiais e pré-estreias", considera.

O Odeon foi o grande palácio do Festival do Rio já na primeira edição do evento, realizada em 1999, quando a sala foi recuperada para receber as sessões da maratona cinéfila carioca. Em 2000, o cinema foi reaberto para o público e desde 2015 é administrado pelo Grupo Severiano Ribeiro, transformando-se no Cine Odeon - CCLSR (Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro).

Cerimônia de premiação do Festival do Rio 2023 - Foto: Christian Rodrigues
Cerimônia de premiação do Festival do Rio 2023 - Foto: Christian Rodrigues

Para Tavares, a parceria com o Festival do Rio é um elemento que impulsiona a relevância do Odeon no cenário cultural carioca atual, pois o evento cultiva uma comunidade que "se cria em torno do cinema, uma comunidade de intelectuais, pessoas ligadas à cultura, pessoas interessadas em filmes, interessadas na indústria cinematográfica, que também constituem esse público mais fiel".

O Cine Odeon resiste como um monumento à memória do cinema carioca, fluminense e brasileiro e à vitalidade cultural do Rio de Janeiro. Em meio às transformações urbanas e ao inevitável passar do tempo, a sala mais icônica da Cidade Maravilhosa se mantém como último remanescente do "quarteirão dos palácios de cinema", em uma jornada de quase 100 anos marcada por renovações e resiliência.

Além da importante lembrança da era de ouro da Cinelândia, a presença do Odeon no circuito do Festival do Rio reforça que o espaço ainda é palco de encontros cinematográficos enriquecedores, abrindo uma janela para a sétima arte que entrelaça passado, presente e futuro.

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