Publicado em 15/10/2016

Numa Première Brasil repleta de diretores estreantes, o último dia de Cine Encontro no Odeon (ontem, sexta-feira, 14 de outubro) contou com debate em torno de Mulher do pai, primeiro longa-metragem de Cristiane Oliveira. O filme narra a relação entre Ruben (Marat Descartes) e Nalu (Maria Galant), pai e filha um tanto distantes que precisam se reproximar depois da morte da mãe de Ruben, que cuidava de ambos, em especial do filho cego. Ambientado num pequeno vilarejo brasileiro próximo ao Uruguai, o filme é uma coprodução com o país vizinho.

O crítico de cinema Pedro Butcher deu início à animada mesa-redonda pedindo à produtora Aleteia Selonk que falasse um pouco sobre a trajetória do projeto. Selonk ressaltou o valor da iniciativa conjunta e o intuito de construir uma narrativa de caráter universal. “Queríamos que nossa história ambientada na fronteira Brasil-Uruguai pudesse ser vista por plateias do mundo todo”, explicou. Os outros membros da equipe de produção presentes, entre eles Graziella Calvano Ferst, Gina O´Donnell, Gustavo Galvão e Diego Parker, louvaram a cooperação entre países. Parker, coprodutor uruguaio que tem no currículo filmes como Whisky, disse acreditar que a obra fala de uma cultura comum, que perpassa ambas as nações: a cultura gaúcha. Complementando, a diretora Cristiane Oliveira, que é natural de Porto Alegre, definiu tal ambiente cultural como marcadamente masculino.

Sobre a gênese do projeto, Oliveira contou que a ideia surgiu por meio da experiência com o seu curta-metragem Messalina, que traz uma personagem cega. Através das pesquisas para desenvolver esse trabalho, a cineasta se deparou com a angústia da perda da memória visual que faz parte do cotidiano dos deficientes visuais. “Me tocou a tamanha confiança e intimidade que um cego tem com a pessoa que descreve o mundo para ele”, colocou a realizadora, destacando seu desejo de falar dessa relação de intimidade entre pai e filha. A realizadora, que se disse bastante influenciada pelo cinema uruguaio, discorreu ainda sobre a falta de acessibilidade das comunidades do interior, que relega os deficientes a um estado de total isolamento.

A atriz Maria Galant, que interpreta a protagonista e tem em Mulher do pai sua estreia em longas, elogiou o trabalho da direção e os colegas de elenco, em especial o ator Marat Descartes. “Acho ele um baita ator, a Verónica [Perrotta] uma baita atriz, estou muito feliz por ser esse meu primeiro trabalho!”, exclamou. A atriz uruguaia Verónica Perrotta, que dá vida à professora de artes Rosario, qualificou como rica a experiência de trabalhar com uma equipe de outro país. Perrotta, que aprendeu português para o papel, descreveu seu laboratório na vila de apenas duzentos habitantes, convivendo com educadores e alunos. “Era uma realidade que eu não conhecia”, comentou.

A diretora de fotografia Heloísa Passos relatou o processo de pesquisa e busca por locações que levou a equipe a encontrar a casa em que se passa boa parte da trama. “Aquele lugar tem uma posição solar dos sonhos para um fotógrafo”, opinou Passos, que descreveu ainda as dificuldades da equipe para seguir o plano de filmagens na localidade, que precisava ser alterado constantemente por conta de chuva, fog ou problemas de deslocamento. Adriana Nascimento Borba, que assina a direção de arte, lembrou as modificações realizadas na casa, frisando o trabalho em parceria com Passos, e a incoporação de certos elementos da cultura local, como a tecelagem e a cerâmica, que ganham destaque na narrativa.

Comentando sua escolha por privilegiar planos abertos, a diretora confessou o desejo de que, através desse recurso, o ambiente do vilarejo pudesse se tornar um personagem da história. “Quando você abre o plano, o ambiente tem mais influência. Queríamos que ele virasse personagem, brincávamos que a casa também era personagem do filme”, explicou. Oliveira descreveu o povoado como um lugar de tempo lento, com fachadas decadentes e pessoas que se sentam a observar o mundo. “É um outro ritmo, nos demos conta de que tínhamos que trazer isso para o filme”, arrematou.

Texto: Maria Caú

Fotos: Jonathan Menezes




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