Festa para a poesia da língua portuguesa Casa lotada aplaude Maria Bethânia, Mingas, José Eduardo Agualusa e a diretora Mônica Monteiro na estreia do filme Karingana - Licença para Contar no Festival do Rio 2017
_ É uma alegria imensa estar ao lado de Mingas e José Eduardo Agualusa para festejar a poesia da língua portuguesa que nos une aqui _ disse Bethânia.
Na estreia do filme, a cantora moçambicana Mingas subiu ao palco, ao lado de Maria Bethânia, de José Eduardo Agualusa, da diretora do filme, Mônica Monteiro e da diretora do Festival do Rio, Ilda Santiago. Mingas cantou à capela uma canção popular moçambicana em duas línguas, um idioma local e em português. Sentados na plateia estavam artistas como Antonio Pitanga, Cassia Kiss, Malu Mader, entre outros. O filme foi muito aplaudido no final da exibição por uma plateia encantada pelas histórias de Moçambique, Angola e Brasil.
_ Kaningana quer dizer: "Dá licença para eu contar uma história". E em Moçambique as histórias também são contadas no ritmo e nas palavras das músicas. Eu aprendi esta música que vou cantar aqui com a minha mãe, desde muito pequena _ disse Mingas.
A voz belíssima de Mingas encantou o público que ouviu aquelas palavras em dois idiomas. A cantora também está na primeira cena do filme, convidando a plateia a acompanhar as muitas histórias da língua portuguesa que ali serão narradas por diferentes vozes de Moçambique, Angola e Brasil. No recital de Maria Bethânia, desfilam textos de Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, José Craveirinha, Caetano Veloso, entre outros.
_ Foi para mim uma grande alegria acompanhar a viagem de Maria Bethânia a Maputo, para conversar com poetas e artistas moçambicanos e apresentar o recital. A presença de Bethânia transformou toda uma geração de artistas e escritores moçambicanos assim como tenho certeza de que ela também saiu transformada dessa viagem e da conversa com os escritores. Foram muitas histórias, muita poesia e muita música. Os cantares e falares da língua portuguesa, que unem Brasil, Angola e Moçambique, estão ali, naquelas conversas, naquela poesia e naquela música.
Moçambique tem 22 línguas nativas diferentes em seu território. Variam de acordo com a região e a origem da população local, mas todas as regiões têm em comum a língua portuguesa, ensinada nas escolas e transformada em elo de ligação entre as muitas comunidades que convivem na capital, Maputo, e em outras cidades do país. O filme mostra o recital de poesia, entremeado com muitas cenas da viagem de Bethânia e com muitas conversas com estudiosos da língua portuguesa.
Um dos momentos mais emocionantes do filme é ver Maria Bethânia dizer as palavras do moçambicano José Craveirinha no poema Quero ser tambor:
Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
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