Estranho Caminho: drama fantástico traz pandemia como pano de fundo para aproximação de pai e filho Filme de Guto Parente foi exibido em sessão aberta ao público no Festival do Rio
“Para boa parte do cinema que está sendo produzido, parece que a pandemia não aconteceu”, avaliou o jornalista e pesquisador Pedro Butcher ao apresentar o drama com toques de fantasia Estranho Caminho em um debate sobre o filme no Cine Odeon - CCLSR nesta segunda-feira (9/10).
Competindo na Première Brasil, o longa-metragem de Guto Parente usa a emergência sanitária como pano de fundo para contar a história de um jovem diretor de cinema que precisa passar o lockdown com o pai que não vê há 10 anos após ser pego de surpresa pelo avanço da pandemia durante uma viagem para sua cidade natal, Fortaleza.
A trama tem elementos autobiográficos para o diretor, que idealizou o projeto enquanto vivia um processo de luto pelo falecimento de seu pai. A ideia para produzir o filme se deu em abril de 2020, no primeiro mês em isolamento em função da pandemia. Ticiana Augusto Lima, produtora do longa, contou que o projeto tinha à sua disposição um orçamento de R$ 80 mil de um fundo internacional, modesto para as pretensões dos realizadores, mas a produção foi impulsionada após ser aprovada em um edital da Lei Aldir Blanc promovido pelo Governo do Ceará.
Rodado em 2021, com ondas ainda crescentes de contaminação por covid, a produção precisou lidar com os desafios de seguir os protocolos de segurança no set e o cineasta teve de encontrar formas de lidar com o próprio tema da pandemia diante das câmeras. “O filme que sempre foi pensado para ser muito fechado nos rostos, com essa ideia de uma claustrofobia que a pandemia colocou a gente. Filmar personagens de máscara é uma coisa que não é visualmente interessante, mas pode ser também. A gente consegue trazer uma atuação que é toda no olhar.”
A trama é protagonizada pelos atores Lucas Limeira e Carlos Francisco que interpretam filho e pai, respectivamente. Guto Parente já havia montado filmes com a presença de ambos os atores (Cabeça de Nêgo, de Déo Cardoso, e No Coração do Mundo, de Gabriel e Maurilio Martins) e se rendeu ao talento deles acompanhando o material bruto dos longas que editou.
Quando tomaram a palavra no debate, Lucas e Claro exaltaram o trabalho da equipe do filme, em especial o da preparadora de elenco Noá Bonoba. Uma das técnicas usada por ela foi trabalhar cenas que durariam apenas 5 minutos no roteiro em exercícios de meia hora, improvisando detalhes novos em um processo que amplia o universo proposto e torna os diálogos mais naturalistas. “A etapa de preparação de elenco pode ser uma etapa de criação, de investigação e de aprofundamento”, comenta Noá, que também atua no filme.
Com boa circulação internacional em festivais, Estranho Caminho foi premiado em Tribeca, faturando os prêmios de Melhor Filme, Melhor Roteiro, Melhor Fotografia e Melhor Atuação em Filme Narrativo Internacional para Carlos Francisco. Mas esse percurso internacional levantou um sinal de alerta para o diretor.
“Parece que existe uma rejeição ao tema da pandemia”, avaliou Guto. “Ano passado a gente passou na Works in Progress [plataforma para filmes em pós-produção] no Festival de San Sebastián. A gente sentiu uma inquietação e um receio muito grandes de alguns programadores de festivais internacionais de se aproximar do tema da pandemia. A gente conversou com programadores que se interessaram pelo filme, mas tinham receio de programar um filme sobre pandemia e ninguém querer ver. Acho que tem um negacionismo, uma dificuldade de lidar com o tema.”
O mediador Pedro Butcher citou que muitos trabalhos da filmografia de Guto Parente têm elementos de fantasia e estranhamento, o que não é diferente neste filme. O cineasta comentou essa tendência: “Acho que o cinema é uma possibilidade de encontrar transcendências. Acho que existem várias formas de viver a vida, encarar a realidade, encarar o mistério e pensar as possibilidades de atravessamento de dimensões. Acho que existem várias formas de encontrar transcendência, se comunicar com nossos mortos e entender a presença deles em nossas vidas. Acho que o cinema é uma delas. O cinema pode ser considerado um tipo de religião sem dogmas.”
Texto: João Vitor Figueira
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