Entrevista: Giuseppe M. Gaudino, diretor de Per amor vostro Cineasta italiano apresenta seu filme, premiado no último Festival de Veneza
Qual foi a inspiração para o filme?
Inspiração é um termo muito amplo. Mas havia um sentimento ético, político. Eu queria mostrar as consequências que sofrem aqueles que vivem ignorando a escolha entre o bem e o mal. Não sou religioso, apenas tenho uma espiritualidade; não falo de religião, mas esse conflito pertence ao ser humano, é intrínseco à essência humana.
O filme me pareceu uma espécie de alegoria da condição humana, com todos nossos dilemas morais representados. O uso desse formato poético, desse tom lírico, principalmente com as cores e a montagem, foi proposital para reforçar essa alegoria?
Voltando à coerência política, não era estético, era para contar coisas que todos nós da equipe vivemos, sentimento que nos unem. Não sou egocêntrico, mas o único método que usamos, foi estarmos todos juntos no set durante seis, sete semanas, mostrando o que me interessava e colocando em cena os mecanismos que nos agradavam. Ficamos todos juntos trabalhando, com os atores, produtores, sempre falamos de maneira muito emocional, sobre coisas que sentíamos, e não que funcionavam esteticamente. Até podiam ser belas também, mas porque queríamos que o público se identificasse com esse bem e esse mal, visse que o belo também tem um perverso, uma infâmia.
A ideia de mesclar P&B, colorido, animação e recursos inovadores de montagem surgiu durante as filmagens ou na pós-produção?
Ficamos trabalhando por quase dois meses. No início, o maior trabalho foi encontrar recursos para gravarmos por todo esse tempo. E depois, muito mais recurso para fazer toda a animação. Depois de unirmos as cenas, começamos a colocar esse componente. E a parte musical também, que é muito importante. Sem essa intervenção posterior, não fazia sentido a história.
Há algo na relação do povo de Nápoles com o mar, tão presente e poderoso, que talvez o público de outros lugares não entenda?
Não queríamos nem criticar nem exaltar Nápoles. Falamos de Nápoles e escolhemos Valeria [Golino, atriz nascida na cidade] por esse motivo também: ambas têm essa beleza tão conhecida, mas que pode ser triste também. Nápoles tem essa contradição muito forte, picos muito altos, penhascos e o mar. Altos e baixos. O golfo de Nápoles, tão grandioso, precisava ser revisto. Quando os napolitanos viram o filme, acho que entenderam esse sentimento comum, de desconforto de estar perto do mar. Mas não é algo sociológico, é ligado à psicologia dos personagens. Nós quisemos ressignificar essas coisas. É um filme subjetivo, não é um filme sobre as cenas, é do mundo interior.
Você não é religioso, mas ficam muito presentes no filme esses dogmas da Igreja. Isso é algo próprio da Itália?
Italiana não, mas napolitana. Nápoles tem esses contradições. As cenas no interior da igreja, que mostram os ossos e as caveiras, são ossos de pessoas anônimas, de indigentes, e os fiéis vão lá e os “adotam”. Isso traz um sentimento de grande humanidade. Ajudar o próximo tem uma contradição interna, típica de Nápoles, de justificar o porquê de vivermos juntos.
É comum o uso de metalinguagem no cinema italiano. No filme, a protagonista trabalha num set de filmagem e se envolve com um galã. Isso seria um tipo de referência aos anos 1950, a um certo glamour?
Não sei se é do cinema italiano, mas falo por mim mesmo. São arquétipos humanos e profissionais. Eu queria que tivesse esse glamour para contrapor à realidade por trás disso, mostrar o outro lado dessa fama. Esse profissional [que segura cartazes com as falas dos atores, como faz a personagem de Anna], que faz o ator chegar ao máximo da perfeição, não deixa ver o outro lado da moeda, o lado humano, a imperfeição. Queria mostrar outro ponto de vista dessa beleza, mostrar fragilidade.
A ideia era mostrar mentes frágeis que estão fora de si, sem mostrar as causas. Anna, por exemplo, não é coerente. Tem potencial, mas não tem as ferramentas para tomar as atitudes que deseja tomar, vive borderline. A história mostra isso, é isso que buscávamos, essas linhas tênues.
Como foi trabalhar com Valeria Golino?
Foi muito bom, ela é uma mulher muito inteligente, se arriscou, se entregou, se expôs. Para um ator é muito difícil fazer isso, mostrar os pontos fracos, a vulnerabilidade aos outros. Ela participou muito e se envolveu muito no processo todo porque foi coprodutora também.
Por Gabriel Demasi
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