Publicado em 17/10/2024

Sebastian, de Mikko MäkeläSebastian, de Mikko Mäkelä

Por Laís Malek 

Um escritor de 25 anos decide trabalhar como profissional do sexo para ganhar inspiração para um livro. A premissa de Sebastian, filme do finlandês Mikko Mäkelä, pode parecer só mais uma história sobre uma vida dupla, mas o longa surpreende ao trazer uma animadora abordagem positiva sobre o sexo. O filme foi exibido na mostra Expectativa do Festival do Rio 2024, em sessões que contaram com a presença do diretor e do produtor.

A jornada de Max, o protagonista, e sua transformação em Sebastian para explorar seus desejos repreendidos até para ele mesmo, passa por questões universais. A sensação de não pertencimento, a dificuldade de se mostrar vulnerável, o desejo por intimidade, a busca por uma arte autêntica são alguns dos temas abordados no filme. Na entrevista a seguir, feita durante o Festival, Makela e o produtor James Watson abordam diferentes aspectos da narrativa e dão opiniões sobre o processo, o resultado a a recepção do filme.

Sebastian, de Mikko MäkeläSebastian, de Mikko Mäkelä


Qual você diria que é a mensagem principal do filme?

James Watson: Acho que uma das ideias principais é perguntar: já que vivemos em uma época onde a experiência parece ser tão valorizada como parte do processo criativo, você direcionaria a sua vida para ter experiência para falar sobre isso? Quão longe você iria pela história? E também tem um personagem que está se dando uma permissão para fazer algo sob uma falso pretexto que é a escrita, quando na verdade ele realmente quer fazer isso. Acho que é uma mistura dessas duas coisas.

Um sentimento que acompanha o protagonista ao longo da trama é o de se sentir “outro” em relação aos demais: no trabalho, com os amigos, com a família. Você acha que é um sentimento que muita gente se identifica?

Mikko Mäkelä: Um dos elementos-chave do filme é que ele é sobre a comunidade queer, e fala sobre temas de identidade, pertencimento e aceitação. Há uma investigação sobre vergonha e complexidade dentro das identidades queer, especialmente em como são afetadas pelas expectativas sociais. Acho que o filme reverbera com muitas pessoas queer  que se sentem à margem, tentando explorar suas identidades ao mesmo tempo em que lidam com a pressão de se “adequarem”. A ideia de pertencer é crucial na experiência queer, e o filme fala sobre essa necessidade de conexão e compreensão.

No começo do filme, vemos Max escrevendo seu livro em terceira pessoa, e é só nas últimas cenas que ele passa a escrever em primeira pessoa. Como essa mudança representa a jornada do personagem?

MM: Eu queria escrever uma história de autodescoberta, mas ao mesmo tempo uma história de amadurecimento. É um personagem que é muito firme e rígido em suas certezas no início, para alguém que de certa forma é bem ingênuo. Ele precisa passar por um processo de descoberta e autorrealização, ter suas certezas sobre si abaladas e questionadas. Me interesso em escrever personagens que se surpreendem consigo e precisam questionar quem são.

Como roteirista do filme, você acha que suas questões sobre escrita acabam transparecendo através do protagonista? De que maneiras?

MM: É uma grande tensão, até uma ironia, que ele faz uma espécie de autoficção em que ele escreve coisas muito íntimas e quer ser tão autêntico no texto a ponto de escrever seus sentimentos e experiências reais, mas ao mesmo tempo é muito privado na vida pessoal. Tem uma tensão entre querer ser incrível e precisar que o seu trabalho seja incrível, e ao mesmo tempo manter essa distância. E a dificuldade justamente é que para criar algo que as pessoas se conectem é preciso se mostrar vulnerável e abrir mão da vontade de se proteger. É algo que eu me identifico e também tenho dificuldade, e abre muitas perguntas importantes sobre escrita, ficção e verdade, o que significa escrever uma autobiografia, se as autobiografias representam de fato a verdade. São muitos os debates sobre verdade na ficção, e o filme quer entrar nessa conversa.

Max é um personagem que não gosta de ter uma presença online, mas é através da internet que ele conhece os clientes de seu trabalho como Sebastian. Como você enxerga a onipresença das redes sociais atualmente?

JW: O Max não é, de fato, ele mesmo online, e isso é um reflexo de que nós também podemos não ser. Todo mundo está fingindo ser uma diferente versão de si. Mesmo se você mostrar seu rosto em um perfil no OnlyFans, geralmente é uma persona ou um nome falso. Mas a ideia de anonimato vem de muito tempo, as pessoas sempre escreveram com pseudônimos. Até hoje, ninguém sabe quem é a Elena Ferrante, se esse é o nome verdadeiro dela ou não. Acho que no caso do Max, ele tem vergonha de ter vergonha, não porque acha o que ele faz vergonhoso, mas porque teme o julgamento nos ambientes literários que ele deseja estar.

O trabalho sexual ainda carrega bastante estigma, mesmo dentro das áreas mais progressistas da sociedade. Como você acha que o filme pode impulsionar essa discussão?

MM: Eu queria questionar os preconceitos e vieses das pessoas sobre o trabalho sexual. Até uma pessoa como o Max, que não quer julgar ninguém e não sentir vergonha por ser um profissional o sexo, ele se interessa por essa ideia porque é temporária e por isso tem menos estigma. No começo ele precisa da licença para fazer isso porque é parte da pesquisa, não consegue nem admitir para si que é uma vontade. Só depois de ser confrontado com seus desejos e escrever sobre isso é que ele consegue acessar uma nova profundidade para poder dizer que ele quer ser artista e trabalhar com sexo. E por que ele deveria escolher entre um e outro?

Sebastian, de Mikko MäkeläSebastian, de Mikko Mäkelä

O filme, naturalmente, tem muitas cenas de sexo, e ultimamente  a discussão sobre cenas assim serem consideradas “excessivas” vem ganhando força, especialmente entre a geração Z. Qual é a visão de vocês sobre isso? Em algum momento ficaram receosos sobre a recepção?

MM: A geração Z parece ser particularmente crítica sobre cenas de sexo no cinema, mas também é uma geração que parece estar fazendo menos sexo, no geral. Para mim, é algo difícil de comentar, porque eu vejo o sexo como algo inato, instintivo, essencial, pelo menos para a maioria das pessoas, e essa é a perspectiva pela qual faço meus filmes. Nesse caso, é também uma forma de conexão, alguém como o Max que é bem fechado emocionalmente vê o sexo como uma maneira de se conectar de jeitos que ele não conseguiria. O filme vê o sexo também  como um meio de facilitar comunicação e conexão entre as pessoas, e de maneira bem positiva. 

JW: O princípio que eu e o Mikko sempre temos em mente quando desenvolvemos algo de fazer filmes que gostaríamos de ver. Espero que seja um filme que a geração Z vai ter algo a dizer, mesmo que seja para falar que tem muito sexo. E o interessante disso é que uma reação assim na verdade é um reflexo de quem está consumindo aquela mídia, seja um livro, filme, pintura ou outra coisa. A interpretação vem muito das expectativas, então estou animado para ouvir o que as pessoas têm a dizer.

Muito vem se falando também sobre a presença de um coordenador de intimidade nas cenas de sexo. Vocês tiveram esse profissional no set?

JW: Sim, foi a primeira vez que eu trabalhei com um coordenador de intimidade e foi ótimo. O que ele fez foi checar com todos quais eram os limites de cada um, o que se sentiam confortável para fazer, quais partes do corpo gostariam de mostrar. E garantir que todos estejam de acordo na hora de gravar e que todo mundo se sinta ouvido e apoiado. É uma coisa bem direta, manter a comunicação o tempo todo e respeitar os limites. Se uma produção tem condições de contratar esse profissional é ótimo, mas também acho que é possível gravar sem, respeitando todos esses princípios. 

Por fim, o que você achou da recepção do filme pelo público brasileiro? Foi uma reação diferente de outros países?

MM: É sempre interessante comparar a recepção em países diferentes, porque em cada sociedade o sexo é algo que as pessoas tem atitudes bem diferentes. Em alguns lugares são mais abertos, outros mais puritanos. Tivemos muitas exibições nos Estados Unidos, por exemplo, e lá a relação com sexo é bem mais complicada. A minha impressão é que aqui as pessoas são mais abertas em relação à sexualidade, então foi animador ver essas outras reações. 


Mikko Mäkelä e James Watson, diretor e produtor de Sebastian, no Festival do Rio 2024 — Foto: Cláudio Andrade

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