Em Pele de Vidro, história familiar se transforma em denúncia sobre crise habitacional em São Paulo Documentário de Denise Zmekhol acompanha a vida de moradores de uma ocupação em um prédio tombado no centro da capital paulista, projetado pelo pai da cineasta
Pele de Vidro, de Denise Zmekhol
Ao encontrar uma ocupação com mais de 100 famílias morando no edifício abandonado, no entanto, a cineasta percebeu que a história que ela queria contar teria que ser desviada pela realidade que encontrou. O filme foi exibido na noite de sábado (12), no Estação Net Rio, como parte da mostra Première Brasil: O Estado das Coisas do Festival do Rio 2024.
O edifício Wilton Paes de Almeida é um arranha-céu modernista com a fachada toda de vidro, localizado no centro de São Paulo, e se tornou uma importante paisagem da arquitetura paulista, e foi tombado em 1992. Com os anos de inatividade, acabou sendo ocupado por diversas famílias, em mais um exemplo da crise de moradia atravessada pela capital.
Pele de Vidro, de Denise Zmekhol
A diretora conta que o contato com as famílias fez o filme ganhar novos significados, ainda mais depois do incêndio que vitimou 11 moradores da ocupação em 2018. “A história mudou completamente. Aquilo mexeu com a minha história com meu pai, que eu perdi muito cedo, então se tornou um filme mais pessoal, mais do meu ponto de vista.”
No filme, a diretora adentra a vida das famílias, mostrando momentos íntimos das pessoas que vivem na ocupação. Denise dá mais detalhes sobre como construiu a relação com os personagens. “Durante muito tempo, eu pensava que elas não queriam me deixar entrar no prédio. Depois do incêndio, a gente descobre que eram justamente os coordenadores da ocupação que não me deixavam entrar. Quando conheci as famílias, contei a história do filme, elas falavam ‘nossa, eu teria feito um café para você’. Elas me receberam super bem”, relembra a diretora.
O filme fez Denise ter uma reflexão mais profunda sobre a questão das pessoas sem moradias nos grandes centros urbanos. “Tem muito mais espaços vazios do que pessoas morando em lugares que não são habitáveis ou que estão nas ruas.Tem quase meio milhão de famílias só em São Paulo sem casa, e a nossa Constituição é uma das poucas que estabelece o direito de ter uma moradia. Acho que falta vontade política para focar um pouco mais nessa situação, porque é uma coisa de bem-estar para a própria cidade. E é uma situação bem que vai piorar, com a mudança climática e as guerras”, analisa.
Pele de Vidro, de Denise Zmekhol
Com centenas de pessoas vivendo no edifício, não foi uma tarefa fácil para Denise escolher quais histórias ela gostaria de colocar mais ênfase no filme. O processo foi ainda mais complicado porque a diretora morava nos Estados Unidos, e quando ia para São Paulo fazer as gravações, precisava fazer muitas entrevistas de uma vez só. No total, a edição demorou cerca de um ano e meio para ficar pronta.
“Eu tenho cerca de 150 horas de gravação. Foram mais de 60 entrevistas, em quatro viagens. Precisava fazer a transcrição e traduzir porque meu editor era americano. Ficou um livro de 200 páginas, e a gente foi procurando ali, sublinhando aquilo que a gente queria incluir. Fizemos várias tentativas com algumas pessoas que entraram e que saíram do filme”, relata.
Pele de Vidro, de Denise Zmekhol
O filme é uma coprodução entre Brasil e Estados Unidos. Embora ele já tenha sido exibido em festivais estrangeiros, essa é a primeira exibição do longa. Para Denise, a recepção do público brasileiro é diferente de outros lugares. “As pessoas se conectam porque é uma história universal, a filha buscando o pai, a problemática da falta de moradia que todas as grandes cidades do mundo enfrentam. Acho que aqui se adiciona uma camada a mais de emoção, as pessoas conhecem muito bem essa realidade, então impacta muito mais. Sinto que as pessoas recebem com mais preocupação, tem mais intenção no que falam sobre o filme, porque tem essa proximidade”, conclui.
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