Em Estado de Silêncio, violência contra jornalistas pinta retrato da narcopolítica no México Documentário de Santiago Maza leva para tela a necessidade de defender a liberdade de expressão, através da denúncia de um aparelho estatal e paramilitar com alto poder silenciador
Estado de Silêncio, de Santiago Maza
Por Laís Malek
Já no início do filme, o público percebe que passará por um turbilhão emocional. A câmera do diretor acompanha o trabalho de um jornalista que, na calada da noite, investiga um madeireiro ilegal da região. Com desenvoltura, ele convence o homem a falar — com um pano cobrindo o rosto e protegendo sua identidade — sobre os motivos pelos quais aceitou o trabalho. Quando o homem conta da necessidade de sustentar a família a qualquer custo, fica clara a direção para qual a obra aponta. Os culpados vêm de cima.
Um dos países com a maior quantidade de atentados contra jornalistas do mundo, o México colhe hoje os frutos de uma falida guerra às drogas. A narcopolítica, um sistema baseado na aliança entre os cartéis de drogas e a corrupção das forças policiais e políticas, gerou o que o filme define como “zonas silenciosas”. A consequência é clara e imediata para jornalistas que denunciam agentes de poder: sequestros, assassinatos, atentados e desaparecimentos. A cena em que nomes e os destinos dos profissiomais são lidos em sequência, com vozes sobrepostas criando uma cacofonia crescente e ensurdecedora, ilustra a dimensão do problema.
Estado de Silêncio, de Santiago Maza
“Esse documentário busca quebrar esses ciclos viciosos, nos sensibilizar à realidade que os nossos jornalistas vivem, e querer acompanhá-los. E como sociedade, que também possamos exigir uma mudança. É um documentário universal, que atinge diferentes realidades e que diz respeito a todos nós, independente de onde somos, pensar sobre como vamos fazer parte de uma mudança”, propõe o diretor.
A narrativa acompanha quatro jornalistas que, depois de arriscarem suas vidas na busca pela verdade e transparência, tiveram consequências diferentes quando as matérias começaram a circular. Dois deles, que formam um um casal, decidem procurar asilo nos Estados Unidos. Embora tenham mais segurança, não se sentem felizes ao deixar uma vida inteira do outro lado da fronteira — incluindo uma mãe doente.
Os outros dois também priorizam a segurança, mas não deixam o país, e continuam trabalhando em matérias investigativas. A câmera que os acompanha é, ao mesmo tempo, intimista e distante - assim como os jornalistas, que colocam uma lente de aumento em assuntos delicados, ao mesmo tempo em que precisam se afastar para não virarem, eles mesmos, a notícia.
Estado de Silêncio, de Santiago Maza
A cartela final do filme informa que, desde 2000, 163 jornalistas já foram assinados no México e outros 32 estão desaparecidos. Para o diretor, é possível traçar paralelos entre outras situações de silenciamento ao redor do globo. “O filme retrata a violência descontrolada que acontece no México com relação à liberdade de imprensa e os jornalistas. Isso acontece também no Brasil com os ativistas, são recordes horríveis. São países que têm todos os recursos para avançar, tem a infraestrutura, o povo. E infelizmente a corrupção e a impunidade são os cânceres que tomam conta”, analisa Maza.
A apresentação do longa contou também com a presença de Angelina Nunes, diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O diretor anunciou que o filme estará em breve disponível no streaming, mas para quem quiser conferir o longa durante o Festival do Rio, ainda há mais duas oportunidades.
Estado de Silêncio, de Santiago Maza
Próximas sessões
- Quarta-feira, 09/10 - 19h - Cinesystem Praia de Botafogo 2
- Segunda-feira, 14/10 - 14h30 - Estação Net Gávea 3
Leia também:
- Avenida Beira-Mar: Niterói bucólica abre espaço para brincadeira de criança e questões adultas
- A Herança, de João Zacharias, transpõe fronteiras entre filme de gênero, melodrama e cinema queer
- Manas: denúncia e sensibilidade marcam drama sobre exploração sexual na Ilha do Marajó com Dira Paes no elenco
- 3 Obás de Xangô: filme destaca arte, amizade e religiosidade de Dorival Caymmi, Jorge Amado e Carybé
- Na sessão de gala de Maré Alta, diretor Marco Calvani reflete sobre filme: 'Curou minha homofobia internalizada'
Voltar