Discreet apresenta a luta com traumas de infância Em entrevista, Travis Matthews fala sobre o filme e sua participação no Festival do Rio.
Travis Matthews esteve presente na première de “Discreet” no Festival do Rio e conversou conosco sobre a sua produção e sobre a ascensão do conservadorismo no mundo atual.
O seu filme aborda uma temática bem contemporânea na qual todos estamos inseridos de alguma forma e em escala mundial. Como você interpreta esse momento conservador por qual o mundo está passando?
Eu acho fascinante, confuso e aterrador ao mesmo tempo. Realmente a gente sente que é algo global. Percebo que em muitos lugares há tentativas de se responder a isso e que a gente tem tentado agir como pode. Há muitas pessoas terríveis, assombrosos oligarcas com dinheiro, que vêm tentando transformar esse momento em insegurança e confusão. Estou falando de racismo, de homofobia e de todas essas coisas que têm motivado a ascensão deste autoritarismo. A proliferação das mídias sociais tem deixado algumas pessoas em uma zona de conforto, complacência e silêncio. Eles podem ver coisas acontecendo como se fossem realities na TV, e ignoram até isto chegar na porta de suas casas. E eu sinto que é preciso lutar, que esse é o momento. Todos os dias, tanto aqui no Brasil como em meu país, Estados Unidos, escutamos histórias sobre censura. Eu sou casado com um brasileiro e presto muita atenção no que tem se passado por aqui em termos culturais e políticos. E vejo que há interessantes semelhanças com o que tem acontecido nos EUA. O conservadorismo está em ascensão, e isso é um lembrete de que, em geral, a história não é necessariamente linear rumo a progresso.
E qual é o papel que “Discreet” cumpre nesse contexto?
Eu fiz esse filme como um registro do nosso tempo. No qual acreditei que fosse um momento na história dos Estados Unidos em que estivemos à beira do precipício de algo muito terrível e que demos um passo atrás. O filme não faz apologia e também não dá respostas simples. Mas o desenho dele é o registro de um momento em que parecemos ser reincidentes na história. E eu quis ser duro para este momento ser lembrado como um período de ansiedade e paranoia, e de racismo e homofobia.
Como foi produzir o filme no país da mais potente indústria mundial de cinema?
Existe sim uma estrutura nos EUA para o cinema, mas essa não é a minha experiência. Tudo o que eu já produzi foi feito na forma do que chamamos de “cinema de guerrilha”. É algo como convocar os seus amigos e pessoas que são talentosas no que fazem, e fazer o que se pode com os recursos disponíveis. Sempre fiz filmes assim. E quando tentei fazer pelas estruturas tradicionais não fui bem sucedido. É devagar, é burocrático e existem muitas pessoas para se prestar contas. E quanto há mais dinheiro envolvido, mais diluída é a mensagem. Mas tive muita sorte na produção desse projeto porque todos os produtores entenderam que não estávamos fazendo um projeto comercial. Estamos conectados com a política, e me sinto sob uma certa responsabilidade como homem branco. Quer dizer, eu sou gay, mas e daí? Sou um homem branco no Texas tentando falar sobre a emergência do que está acontecendo. Não por ser um cineasta ou por ser um artista, mas porque acho que cada um tem uma voz a sua maneira. Talvez conversando com a sua família, ou fazendo as pessoas saberem que quando a gente escuta piadas sobre o outro isso não é legal. Acho que existem milhões de pequenas coisas que podemos fazer coletivamente que podem fazer a diferença.
Texto: Fernando Flack
Sinopse
Depois de passar anos escondido e lutando contra seus demônios, um excêntrico andarilho retorna à casa onde cresceu e descobre que o homem que o abusou durante a infância - o responsável por todos os seus conflitos, angústias e dor - ainda está vivo. Fortalecido pelo tempo, experiências e reflexões vividas durante sua jornada, ele trama sua vingança. Enquanto isso, no rádio, um fluxo constante de slogans de direita brada contra tudo o que não é branco e heterossexual através do árido interior texano, escancarando a perigosa fragilidade masculina na América moderna. Berlim 2017.
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