Delicadeza e sensibilidade no filme de Sandra Kogut Campo grande, novo longa da diretora de Mutum, concorre na Première Brasil deste ano
Rodrigo Fonseca, crítico de cinema que mediou o debate, elogiou a sofisticação narrativa da obra, que segundo ele consegue harmonizar uma pluralidade de elementos bastante diferentes e tratar de um Rio de Janeiro desconstruído, em obras permanentes. Questionada por Fonseca com relação ao título, Kogut elucidou: “Tem um duplo significado. Não se refere só ao bairro, mas a um território vasto e desconhecido, que para os meninos é Ipanema e para a protagonista é o próprio bairro de Campo Grande. No fundo, é uma paisagem interna”.
A diretora falou ainda sobre as crianças que interpretam papéis centrais na trama, Ygor Manoel e Rayane do Amaral, revelando que fez uma série de testes para buscar os intérpretes desses personagens, já que não queria trabalhar com atores mirins profissionais. “Uma curiosidade é que o Ygor foi o primeiro menino que eu testei. Foi emocionante, logo ali eu vi que ele tinha uma riqueza enorme”, contou, ressaltando a importância do trabalho de Fátima Toledo, preparadora de elenco.
Sem deixar de confessar que o papel exigiu bastante dela enquanto atriz, demandando inclusive certa transformação física, Julia Bernat disse ter compreendido sua personagem já quando leu o roteiro pela primeira vez. “Aquele era um mundo reconhecível pra mim”, afirmou.Também presente, o distribuidor do filme, Jean-Thomas Bernardini, da Imovision, falou sobre a escolha de trabalhar com filmes autorais: “É uma ousadia que nem sempre compensa financeiramente, mas me traz grande satisfação pessoal”, declarou, lamentando a escassez de salas no Brasil que exibam esse tipo de cinema. Bernardini destacou as qualidades de Kogut: “Eu já tinha visto Mutum e vi que a Sandra tem uma sensibilidade muito exacerbada. É um privilégio poder defender Campo grande”, concluiu.
O mediador sublinhou então o fato de o filme retratar as periferias com um olhar tenro, sem recorrer à exposição da brutalidade nesses espaços, lugar-comum no cinema atual. Kogut então recordou sua carreira como documentarista, que lhe ajudou na construção de um olhar que não se perdeu em sua ficção. “É um jeito de estar no mundo”, expôs, para depois completar: “Eu nunca pretendo fazer nada descritivo. A gente vê esses lugares com os olhos dos personagens”. A cineasta salientou também o aspecto alegre da obra: “É um choque entre dois mundos, e eles se reconstroem”, definiu.Para fechar a conversa, Rodrigo Fonseca citou nomes como Anna Muylaert (Que horas ela volta?) e AnitaRocha da Silveira (Mate-me por favor) para lembrar que o cinema brasileiro vive um período em que as mulheres diretoras estão desbravando o mundo, e seus filmes vêm conquistando cada vez mais espaço. Nesse contexto, Fonseca aplaudiu o sucesso do longa de Kogut, que estreou no Festival de Toronto deste ano, e arrematou: “Um viva a todas essas mulheres!”.
Texto: Maria Caú
Fotos: Natália Alvim
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