Publicado em 12/10/2024

Continente, de Davi Pretto
Continente, de Davi Pretto

Continente, de Davi Pretto, é um filme característico do cinema independente brasileiro que circula pelas salas do circuito de arte do Rio de Janeiro e outras capitais do país. Uma obra autoral, na qual seu diretor e roteirista trabalha livremente e isso se manifesta na tela — o que é um prato cheio para cinéfilos e críticos de cinema.

Mediador do debate de Continente, que concorre na categoria longa-metragem de ficção na mostra Novos Rumos do Festival do Rio 2024, o crítico Filippo Pitanga citou uma série de referências possíveis no filme: Desejo e Obsessão (2001), da diretora Claire Denis, a peça O Mercador de Veneza (1598), de William de Shakespeare, os filmes de vampiros e até mesmo o conceito de mais-valia, de Karl Marx. Davi Pretto deu uma resposta bastante interessante, que diz muito sobre seu perfil como realizador.

Continente, de Davi Pretto
Continente, de Davi Pretto

"Quando você fala da Claire Denis, sim, ela é uma cineasta que marcou minha vida... Eu vi todos os filmes dela, eles fazem parte da minha vida até hoje, então, Desejo e Obsessão está certamente neste filme inteiro", disse ele, confirmando uma impressão do Filippo. Entretando, ele pondera: "Mas, engraçado, a gente nunca falou 'Vamos fazer um filme de gênero'. A gente sabia o que queria falar, e estava desenvolvendo um filme para isso, mas a gente não sabia que ele ia ser do jeito que é. A gente foi descobrindo que teria que chegar em alguns lugares em que a gente chegou", diz Davi, que ao longo do debate admitiu ser um cineasta bastante intuitivo, que abre espaço para a inspiração de momento e seu elenco e equipe contribuírem no set.

Questionado sobre a predileção por planos fechados, sobre qual teria sido o seu planejamento, Davi Pretto jogou limpo: "Eu não sou muito calculador, é mais uma questão de vivência e instinto. Acho que todo mundo aqui vai provavelmente falar algo sobre isso, do que eu proponho. A única coisa que eu sabia é que esse filme tinha que ser um pouco labiríntico. E o desconforto que ele deveria ter desde o começo me passa pelos planos, pelo som e, obviamente, outros elementos que estão ali. Então, a câmera vem um pouco desses lugares: o desconforto e o labirinto."

Continente, de Davi Pretto
Continente, de Davi Pretto

"Pra mim, set de filmagem é que nem show de jazz. Eu sou músico frustrado, né, e já tive banda de improvisação. Pra mim, o mais interessante do cinema é a improvisação", diz o diretor de Continente, afirmando que a obra exibida na Première Brasil é fruto de muita liberdade artística entre todos os envolvidos. "Esse filme tinha que ser do jeito que vocês viram. Ele tinha que ser fechado, e ele tinha que ser mais à flor da pele. Ao longo do filme, a gente não pensava 'O filme vai ser assim'. O pensamento era: 'O filme está sendo o que a gente está sentindo neste dia, agora'", conta Davi.

Apesar dessa busca por um cinema mais livre e visceral, Davi Pretto trabalhou longos anos no roteiro de Continente, e não trabalhou sozinho: Igor Verde e Paola Wink também assinam o texto. "A gente começou a escrever esse roteiro em 2018. Basicamente, cada um formulou suas sensações a respeito do vínculo de violência entre dois espaços: a casa de fazenda e o vilarejo", explica o cineasta, acrescentando que "para esse sistema existir, é preciso produzir violência".


Continente, de Davi Pretto

Em uma zona rural do sul do país, Continente retrata um clima de crescente tensão entre os donos de uma fazenda, em processo de sucessão por uma herdeira que morava fora do país, e os trabalhadores insatisfeitos com o "acerto" insuficiente que eles recebem para sobreviver. Nessa luta de classes, quem suga o sangue de quem?!

"A gente atravessou a pandemia escrevendo o roteiro, passou pelo Governo Bolsonaro, então, ele foi se transformando conforme os acontecimentos políticos do nosso país. O roteiro mudou muito! Era uma coisa e terminou sendo outra", diz a roteirista e produtora Paola Wink. "E ele foi sendo trabalhado enquanto a gente filmava. Esse foi um projeto com um roteiro muito orgânico, que também teve acréscimos dos atores. Desde o processo de ensaios, a criação foi muito colaborativa".

"O roteiro é um mapa", conclui Pretto, lembrando dos seus dois trabalhos anteriores, Rifle (2016) e Castanha (2014), como exemplos desse seu jeito estabelecido de fazer cinema. "Rifle era um filme de 40 páginas. Castanha tinha, sei lá, umas 20. Os roteiros dos meus filmes são muito abertos. No set de Continente, eu sempre falava: 'O roteiro é um mapa para nós'. Às vezes um ator perguntava, 'Tu quer que eu fale isso?', e eu respondia que não: 'Daqui a gente vai para outro lugar'. E dali muita coisa aconteceu. Muita coisa os atores encontraram e a gente foi descobrindo."

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