Com histórias baseadas em adaptações de contos, Insubmissas explora possibilidades da experiência feminina Antologia de quatro curtas-metragens é estruturada em referência à literatura e conta com histórias originalmente escritas por mulheres do século XIX. Filmes falam sobre casamento, desejo, violência, envelhecimento e morte.
Insubmissas, de Carol Benjamin, Tais Amordivino, Luh Maza, Julia Katharine e Ana do Carmo
Por Laís Malek
Quatro histórias, cinco diretoras, cinco contos, cinco autoras e um mundo de possibilidades ao retratar experiências de ser mulher. Feito a incontáveis mãos, Insubmissas, com direção geral de Carol Benjamin, foi apresentado ao público na noite de domingo (6) no Festival do Rio. A sessão, que contou com um debate no final, faz parte da mostra Première Brasil: O Estado das Coisas.
O filme é estruturado como uma antologia de quatro curtas-metragens, cada um assinado por uma diretora convidada, e tem como base contos literários de importantes brasileiras do século XIX. Embora o material original não seja contemporâneo, os temas de amor, morte, corpo, casamento e desejo são atemporais, e aparecem de maneiras diferentes nas adaptações.
As quatro diretoras injetaram, cada uma à sua maneira, questões que as atravessam em suas adaptações. Os filmes são dirigidos por quatro diretoras racializadas, e dentre elas, duas mulheres trans, e questões de gênero e de raça permeiam não apenas a obra, mas também o debate que aconteceu após a exibição.
Debate com a pesquisadora de Insubmissas, Taís Bravo (dir.) e as diretoras Julia Katharine, Luh Maza, Tais Amordivino e Ana do Carmo - Foto: Laís Malek
Duas Noivas, dirigido por Taís Amordivino, abre e fecha a narrativa, como o prólogo e o epílogo. Estruturalmente, o longa se divide entre os capítulos iniciais e finais, com outros três no meio. Este é o mais impactante visualmente, com uma fotografia impecável que surpreende não só pela plasticidade das imagens, mas pela criatividade: há um trecho em primeira pessoa, na perspectiva de uma personagem dentro de um caixão.
No primeiro filme, o assunto abordado é o casamento e a renúncia de si. Utilizando a interposição de duas noivas, uma viva e uma morta, a história é construída através dos diálogos que as duas estabelecem no paralelo entre suas vidas. A violência doméstica e o desejo por um refúgio atravessa as duas personagens, que se encontram em uma emocionante sequência que fecha a obra.
“Foi um desafio estimulante e nada fácil. Minha preocupação era como trazer a minha assinatura em uma história tão diferente da minha. São mulheres diferentes das que eu cresci, que não são negras, então como trazer as duas noivas para esse lugar, trazer a minha periferia e a minha questão política? Tive que mexer aqui e ali para deixar mais político. Para mim, para pessoas com meu tom de pele e a minha cor, amar é político”, conta a diretora.
Insubmissas, de Carol Benjamin, Tais Amordivino, Luh Maza, Julia Katharine e Ana do Carmo
Em seguida, é a vez de Nada Somos, dirigido por Luh Maza. A trama acompanha os últimos momentos de Lili Vignon, uma idosa que mora em uma casa de repousos e passa seus dias rememorando os tempos em que era uma cantora famosa. Ao longo da obra, ela tem um breve caso com outro morador da casa, e para a diretora, é fundamental contar histórias de personagens trans trazendo o componente do interesse amoroso.
“A gente já sabe que ela vai morrer no início porque esse é o tema da história, mas antes ela precisa cantar. E antes de cantar, ela precisa amar. Convidei uma atriz e cantora trans de 80 anos, a Divina Valéria, que traz uma outra camada. A gente fala pouco sobre o envelhecimento das pessoas trans. Apesar de falar sobre envelhecimento e abandono, o filme traz amor, beleza, sobre ainda sermos solares no final. E brinca com comédia e romance, tudo que a gente acha que pessoas mais velhas não tem direito a viver”, analisa Luh.
Insubmissas, de Carol Benjamin, Tais Amordivino, Luh Maza, Julia Katharine e Ana do Carmo
Em Tarde Demais, a diretora Julia Katharine comenta sobre as adaptações que precisou fazer em relação ao conto de Júlia Lopes de Almeida. A trama envolve a relação de uma mulher com dois homens e a retaliação que ela sofre na pequena cidade de Sertãozinho pelo relacionamento não-tradicional.
“A minha intenção foi a de usar o roteiro como um ponto de referência e não uma adaptação literal. O conto da Julia me provoca sentimentos contraditórios, porque apesar de eu achar lindo, acho muito machista, e fiquei feliz de poder transformar esse universo partindo do meu ponto de vista”, analisa a diretora.
Insubmissas, de Carol Benjamin, Tais Amordivino, Luh Maza, Julia Katharine e Ana do Carmo
Por fim, em Nevrose, Ana do Carmo faz uma guinada em relação às obras anteriores e adiciona toques sobrenaturais em sua obra. A trama acompanha Jose, uma enfermeira que perdeu a filha e por isso se dedica ao máximo para salvar todas as pessoas durante seu turno no hospital. É através do encontro com uma mulher suicida que cavou a própria cova e a Morte, representada pela freira que é sua colega no hospital, que ela passa a aceitar a morte da filha para poder seguir em frente.
“Quando eu comecei a fazer cinema, havia uma grande expectativa, por eu ser uma cineasta negra, de falar sobre racismo e dor. O que eu acho muito bonito no filme é que trazemos olhares femininos de especificidades de vivências, mas que inevitavelmente tocam em temas completamente universais. Em Nevrose a gente fala sobre a inevitabilidade da morte e o desejo de viver, o filme da Taís também traz muito da morte, o da Luh fala de glória, o da Julia sobre o desejo de amar. Todo mundo consegue se conectar com essas histórias”, analisa a diretora.
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