Cine Encontro: Trabalho sobre o medo O longa-metragem Praça Paris discute não apenas questões psicológicas, como socioeconômicas
Texto: Maria Cabeços
Foto: Junior San'tanna
Praça Paris envolveu diversas discussões sobre psicologia no Cine Encontro deste domingo (8/10), mediado pela psicóloga Ana Adler. O debate contou com a presença da diretora Lucia Murat, do roteirista Raphael Montes, da produtora Felicitas Raffo e dos atores Alex Brasil, Digão Ribeiro, Joana de Verona e Grace Passô.
O longa conta a história de Glória, moradora do Morro da Providência com um irmão envolvido com o tráfico, e trabalha na UERJ, onde a estudante portuguesa e psicanalista, Camila, cursa pós-graduação sobre violência e começa a atende-la. A desigualdade socioeconômica refletida pelo vínculo entre ambas, torna a obra em um thriller.
Ana Adler opina brevemente sobre a crença dessa empatia relacionada entre o terapeuta e o paciente demonstrado na obra. “O filme é bem impactante. Tem questões muito duras, como a da violência social e, se pensarmos um pouco da psicanálise, é possível pensar em vários assuntos, como a transferência que a terapeuta experimenta”.
Lucia Murat revelou que a ideia do filme surgiu com uma conversa com uma amiga psicanalista, onde trabalhava em um centro de atendimento para pessoas carentes. ”Ela me falou sobre jovens e estudantes de mestrado de psicologia que atendiam lá e que ela começou a ficar preocupada - porque existia esse processo da transferência - deles desenvolverem um medo muito grande. Eu pensei que isso daria um filme muito interessante”.
Logo em seguida ela chamou o roteirista Raphael Montes para ajudá-la nesse desafio de desenvolver uma história de suspense que fugia de seus trabalhos anteriores. “A ideia era ter essa transferência entre as duas, mas eu não tinha experiência em suspense, eu não tinha esse tipo de fabulação”.
Montes disse que o processo todo da escrita do roteiro se deu por meio de um balanceamento entre o estilo dele e o de Murat. “Eu lembro de uma primeira reunião que a gente teve que para mim foi marcante, porque eu falei ‘Lucia, você sabe que os seus filmes e os meus livros são nada a ver uns com os outros, né? ’ Ela falou que a gente tinha que dar um jeito de equilibrar”.
No processo de escrita, Murat disse que não queria julgar a questão da transferência, mas sim o que isso acarretou quanto ao desenvolvimento de preconceitos da personagem Camila, que, por ser estrangeira, torna-se o impacto de diferenças mais exacerbado. “O medo a toma de tal maneira que ela se transforma em uma pessoa desumana, em uma pessoa racista. Ela perde o
controle de si mesma e isso acaba levando a morte do trabalhador”. A ideia original era que ela matasse o Digão no final, porém, não foi possível escrevê-la de uma forma que, segundo a diretora, não parecesse clichê.
Montes cita, também, em como os assuntos abordados no filme são atuais. “Como traz elementos que estão nos incomodando”. A plateia ressaltou a crise na UERJ, o que no período das gravações não havia previsibilidade da crise atual da faculdade. A escolha por esse local se deve pela arquitetura que denota essa sensação de mistério e, o que virou um dos temas importantes, quanto a situação atual.
Quanto ao processo de adaptação das atrizes, Joana conta que participou de umas sessões de terapia em Lisboa, pois nunca havia frequentado uma. “Eu adorei essa questão de aprender e de toda essa experiência para fazer essa relação entre elas, que é muito empática, sólida e essa interdependência que gera esse abismo”.
Quanto a Grace, “Existem várias situações e personagens no filme que exigem uma inteligência para entendê-las. É um trabalho de toda atuação, que é tentar exaustivamente mergulhar de uma forma profunda nas contradições e nas simbologias”.
Voltar