Publicado em 11/10/2024

Centro Ilusão, de Pedro Diógenes

Por Laís Malek

A cena inicial de Centro Ilusão estabelece que o que o público verá pelos próximos 90 minutos: um “encontro do cinema com a música”, como define o diretor Pedro Diógenes. O não só tem a música como tema principal, mas não se descola dela em nenhum momento. O filme faz parte da mostra competitiva da Première Brasil do Festival do Rio 2024 e foi exibido no Estação Net Rio na tarde da quinta-feira (10), em sessão que também contou com um debate com o público. 

Desde a primeira cena do longa até o final dos créditos, a música está presente de modo a conduzir a narrativa. A história acompanha Kaio, um jovem que sonha com a carreira artística e se inscreve em um concorrido laboratório de música, que ele acredita ser sua garantia de futuro. Quem também faz o teste é Tuca, um artista pessimista de meia-idade, de quem o jovem é fã e com quem acaba desenvolvendo uma improvável amizade. 

Enquanto esperam o resultado dos testes, Kaio e Tuca exploram o centro de Fortaleza e trocam histórias de vida. Apesar de servirem como espelho um do outro, os personagens representam as duas facetas da vida artística. Jovem, esperançoso e com toda uma vida pela frente, Kaio representa a parte solar desse universo. Seu cabelo e suas roupas são coloridas e sua solução para financiar novas cordas para o violão é cantar em uma praça e arrecadar dinheiro. 

Centro Ilusão, de Pedro Diógenes

Do outro lado, Tuca se apresenta como um homem cansado da vida de tentativas, irritado com a falta de oportunidades para músicos da sua idade e arrependido das consequências das escolhas que fez quando priorizou a música. Seus únicos pontos de cor são o cabelo ruivo, no mesmo tom da chama do cigarro que é perene em sua boca, em meio a um mar de roupas escuras. O ator Fernando Catatau explica como a história do personagem constrói essa personalidade negativa.

"O filme retrata bem a vivência de um artista na cidade. É o que a gente passa todo dia e o que me fez sair de lá em busca de outras coisas. São muitas pessoas de várias áreas, com muita esperança, e sempre bate com as vontades na parede, é muito difícil. Esse filme traz esse lugar através do Tuca, um personagem cheio de  ranço, de desgosto. Ele ama tocar, mas ao mesmo tempo não aguenta mais."

Centro Ilusão, de Pedro Diógenes

Enquanto se conhecem, Kaio e Tuca passeiam por Fortaleza explorando diferentes pontos do centro da cidade. Eles passam por lojas de instrumentos, um parque abandonado, uma sapataria, uma loja de discos, um terraço de um prédio onde o cantor mais experiente interpreta uma canção. Mais do que apenas o ambiente da trama, a cidade ajuda a construir a narrativa, e sua influência também está presente nas gírias e no modo de falar da dupla. O diretor Pedro Diógenes explica sua relação com a cidade e como isso se reflete na trama.

"É uma relação complexa, eu amo Fortaleza, mas eu odeio Fortaleza também. São essas contradições que me fazem ter vontade de filmar a cidade. ver nosso jeito de falar, nossos espaços, nossas questões. É uma vontade de mostrar um olhar um pouco diferente dos cartões postais, mais parecida com a cidade que eu vivi e vivo. Queria mostrar as possibilidades dentro da cidade, a potência dos encontros que ela pode proporcionar. O centro é esse lugar em que se encontram vários bairros, pessoas, trajetórias. É importante a gente fazer Fortaleza ser vista também", afirma.

Centro Ilusão, de Pedro Diógenes

Durante todo o filme, a narrativa acompanha o olhar dos personagens e isso motiva a trama. O olhar de admiração com o qual Kaio assiste a performance de Tuca culmina na amizade dos dois; quando o amigo e ex-companheiro de banda de Tuca canta e dança no meio da rua, vestido com sua fantasia de trabalho de homem aranha, todo o entorno observa e ri dele; depois de receber o dinheiro para pagar o mestrado, Carla, a ex-mulher de Tuca o procura com o olhar através vitrine da loja, mas não o encontra. Por fim, a convivência com o jovem faz o músico das antigas ter uma nova percepção sobre sua arte, e juntos eles desenvolvem uma nova música. 

"É um filme que fala de encontros, em muitas camadas. Tanto o Tuca quanto o Kaio aprendem um com o outro, talvez até em uma certa inversão, com o mais jovem com mais coisas a ensinar ao mais velho. O filme fala sobre a possibilidade desse encontro, essas coisas não precisam estar separadas ou apartadas. Gerações tem que se encontrar e é um filme que fala disso", analisa o diretor.

Centro Ilusão, de Pedro Diógenes

A cena que encerra o filme é emblemática. Um plano sequência que dura uma música inteira revela, pouco a pouco, onde estão os personagens depois do encontro que transformou suas vidas. Acompanhados por uma banda, Tuca e Kaio cantam a música Centro Ilusão, que tem na composição a autoria e a personalidade de cada um dos deles. A câmera gira para mostrar um público modesto, porém bastante animado, entoando a letra e batendo palmas. O figurino também é importante: em Kaio, as cores ainda estão presentes, mas mais sóbrias. Tuka também reflete uma mudança, com um verde parecido com o tom do cabelo do jovem quando os dois se conheceram, além das unhas pintadas de azul.

Para Pedro Diógenes, o final do filme também espelha a visão do cinema que ele constrói. “Eles acabam criando uma coisa juntos e terminam tocando juntos. Mas eles não estão em um grande festival, estão em um lugar em Fortaleza tocando para poucas pessoas, mas essas pessoas estão a fim de ouvir o som deles. Isso tem a ver com o cinema que a gente faz. Talvez não seja para milhões de espectadores, mas é um cinema que cada troca com cada espectador vale muito a pena. É isso que eu acredito", conclui.

Equipe e elenco debatem o curta-metragem Vollúpya e o longa Centro Ilusão no Festival do Rio 2024 


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