Publicado em 14/10/2022

A segunda sessão popular da Première Brasil na quinta-feira (13) foi do desafiador Bocaina, que na sequência foi tema de debate entre o público, a diretora Ana Flavia Cavalcanti e a produtora Eliane Ferreira, com mediação do jornalista, crítico de cinema, escritor e curador do Festival do Rio, Ricardo Cota.

Cota iniciou o bate-papo lembrando de sua perplexidade ao ver o filme pela primeira vez e avaliando que ele se simplifica a cada reprise. Sua questão inicial foi se ele existiria sem a pandemia. Ana Flavia Cavalcanti, que assina a direção com Fellipe Barbosa, prontamente respondeu que não. Ela e Malu Galli faziam a novela Amor de Mãe, quando eclodiu a pandemia e foram se isolar juntas num sítio com seus respectivos companheiros na época – Barbosa e o artista Afonso Tostes. A iniciativa do projeto foi de Ana: “Falei, ‘gente, pelo amor de Deus, tá cada um conversando com o mundo lá fora, projetando o futuro, uma peça, um filme, enquanto somos quatro artistas brasileiros aqui. Por que a gente não faz alguma coisa?’”.

Eles se inspiraram em O Estranho que Nós Amamos - filme realizado em 1971 por Don Sieguel, com Clint Eastwood no elenco, e refilmados em 2017, por Sofia Coppola.  Seguiram adiante sem recursos financeiros, desenvolvimento de roteiro ou equipe, aproveitando as condições que tinham. Ana lembrou que o isolamento social é o habitual em muitas roças: “A gente que ficou loucão em lockdown, mas pra muitas famílias essa é a vida de todo dia, você sozinho no matagal, com bicho, céu de estrelas, sol de manhã, sem ninguém, sem muita conversa”. Mais casais chegaram e também a artista plástica e figurinista do longa Janaina Tschäpe, que teve papel importante porque foi quem os recebeu em Bocaina.

O roteiro foi escrito a seis mãos – “Vocês podem imaginar a loucura que foi a gente se expressar junto num momento em que ninguém tava normal” – e o grupo filmou em treze dias, com muita improvisação. Paralelismo, física quântica não embasada e as várias camadas da vida construíram o filme, que ela descreve como bem de 2020, experimental e feito por um coletivo que tentou se abraçar.

A produtora Eliane Ferreira explicou que entrou no projeto já na fase de montagem, para organizar o trabalho e tentar finalizá-lo. Ela afirmou que a decisão de embarcar no desafio não foi lógica, mas fruto do arrebatamento que sentiu ao ver um dos cortes. É uma obra que desperta fortes emoções e inspira interpretações das mais diversas, algo comprovado pelos empolgados depoimentos populares durante o debate. Comentando sobre as músicas, que têm grande peso na narrativa, Ana falou que elas compõem o cotidiano dos personagens, observando que Bocaina se assemelha a um “manual de como viver na roça”.

A diretora e atriz também revelou que parte do filme foi gravada com diálogos, mas eles caíram na montagem e hoje ela pensa que naquele momento eles realmente não tinham muito o que dizer. “O que a gente vai dizer diante de uma pandemia, de 700 mil mortos? É preciso dizer?”, ela refletiu, concluindo que o silêncio, ainda que possa, de início, soar como uma dificuldade, é a maior força do filme e oferece um respiro ao espectador.

Texto: Taiani Mendes
Foto: Francisco Ferraz



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