Black Rio! Black Power!: resistência, orgulho e lazer Emílio Domingos, diretor do documentário, falou sobre o projeto que compete na Première Brasil em um debate com o público realizado quinta-feira (12) no Cine Odeon
A música é o combustível de uma verdadeira revolução identitária para a juventude negra dos subúrbios do Rio de Janeiro em Black Rio! Black Power!, documentário que compete na Première Brasil e foi exibido em sessão com debate aberto ao público nesta quinta-feira (12/10) no Cine Odeon - CCLSR.
Cineasta, cientista social e pesquisador, o diretor Emilio Domingos revelou que o projeto nasceu enquanto ele coletava materiais sobre a história dos bailes no Rio de Janeiro para o ainda não inaugurado Museu da Imagem e do Som da capital fluminense. Nesta fase, notou que havia uma memória afetiva muito considerável a respeito do movimento contracultural que surgiu na década de 1970 no subúrbio carioca, mas também há uma certa “lacuna na produção de conhecimento sobre este período”.
O Black Rio foi um movimento político e cultural que nasce nas festas dedicadas aos grandes nomes da música negra norte-americana. Embalados pelo funk e pela soul music, os bailes marcaram o contato da juventude negra da época com uma afirmação positiva de suas identidades, estética e valores. Tanto as vozes de Aretha Franklin, James Brown e Isaac Hayes quanto o pensamento de Martin Luther King e Malcom X e a ação de grupos como Os Panteras Negras faziam a cabeça de muitos frequentadores. Por sua capacidade de mobilização política e denúncia do racismo, os bailes entraram no radar da ditadura militar.
Domingos relata que na fase de pesquisas, encontrou raríssimos registros audiovisuais dos bailes, por isso o filme usa, majoritariamente, um rico arquivo de fotos e traz entrevistas atuais com personalidades ligadas ao movimento, como Dom Filó, criador da equipe de som Soul Grand Prix, e também engenheiro, produtor cultural, DJ, jornalista e documentarista. Na época, o ativista chegou a ser preso e interrogado no DOI-CODI, acusado ser comunista e incentivar a agitação racial.
“Eu sou um soldado ancestral”, disse Dom Filó ao se apresentar no debate. O produtor cultural organizava bailes lendários no Renascença Clube, no bairro do Andaraí, e criou um ecossistema para promover a soul music no Brasil. “A geração dos anos 70 foi conduzida por essa ancestralidade. E agora está chegando a hora de virar a mesa. Essa virada era pautada pela dor, mas agora estamos aqui na emoção, na luz, na paixão, na alegria a partir da memória.”
Um momento fundamental para o desenvolvimento do projeto se deu em 2012. Domingos encontrou uma matéria produzida para o Fantástico que considerou tendenciosa ao caracterizar de maneira negativa os bailes do Movimento Black Rio, colocando a soul music apenas como uma invasão estrangeira em oposição à tradição brasileira do samba. Na matéria, sambistas são ouvidos, mas nenhum representante dos bailes tem voz. Naquele mesmo ano, o cineasta entrevistou Dom Filó e, casualmente, mostrou as imagens para ele.
“Filó ficou muito abalado com isso, foi um momento de dor”, recorda o diretor, que considera que essa oposição de parte dos meios de comunicação somada à pressão das autoridades e à chegada da disco music dispersaram o Movimento Black Rio.
“Vi a necessidade de construir uma nova narrativa sobre aquilo. De certa maneira, o filme é uma resposta àquela matéria num sentido mais amplo, da construção de uma nova narrativa sobre o Black Rio, que envolve ouvir as pessoas que participaram daquele movimento. As pessoas ficaram 50 anos com o desejo de expressar o que eles fizeram.”
Texto: João Vitor FigueiraFoto: Ian Melo
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