Publicado em 01/10/2014

O primeiro Cine Encontro desta quarta-feira (01) no Armazém da Utopia contou com a inspiradora presença da equipe de Campo de jogo, documentário de Eryk Rocha que mostra uma partida durante o campeonato anual de futebol de favelas, no campo da favela do Sampaio, zona norte do Rio de Janeiro.

Questionado pela jornalista e crítica de cinema Patricia Rebello, Rocha disse que a vontade de fazer o filme veio de suas memórias de infância: "Futebol faz parte da minha formação cultural, estética, humana. Até os 14 anos eu queria muito ser jogador profissional. Então assim que comecei a mexer com cinema eu pensei nisso, de ver como essas duas potências artísticas tão fortes iam funcionar juntas".

Leo Bittencourt, diretor de fotografia, contou que o processo de filmagem foi muito intuitivo, com uma atividade constante de tentativas e experimentações durante as filmagens, sem grandes preparações e planejamentos. Ludmila Curi, responsável por pesquisa e assistência de direção, ressaltou a amizade que nasceu entre a equipe e as pessoas da comunidade retratada, e como essa cumplicidade é essencial entre quem filma e quem é filmado. "A gente tava lá com prazer, e o pessoal percebia isso, aí essa verdade passava pro filme", disse.

Dibel, técnico do time de futebol de Sampaio e personagem forte da obra, contou que ficou emocionado com o resultado final do projeto, e destacou que "foi um trabalho fabuloso, esse do Eryk. É muito bom como ele valoriza a beleza do futebol de verdade, um futebol que hoje em dia só se vê mesmo nas periferias, nas comunidades carentes... porque a gente cresce com a bola, é o único brinquedo que a gente pode ter. O futebol profissional hoje não tem mais essa beleza. Se eu pudesse, eu colocaria um centro de treinamento em cada comunidade carente, seria uma forma de resgatar o futebol e fazê-lo brilhar de novo". Eryk Rocha concordou: "O que se vê agora no futebol profissional são jogadores robotizados, e o futebol não é isso. Ele tem a dança, o drible, a ginga do corpo, a invenção. Quando ele incorpora esses elementos da cultura africana, ele se liberta do esporte e vira uma arte, um rito. O jogo mesmo é só mais uma camada, mas esse espaço do campo de jogo, ainda mais visto de dentro, abre um leque vastíssimo de questões. Ali dá pra entrar no âmbito do pensamento, dos corpos, dos afetos, da dramaturgia, da estética, da filosofia, da cultura... é um espaço de fabulação riquíssimo. A TV mostra o futebol padronizado, como esporte, mas o cinema pode produzir outras imagens e discussões".

A equipe lembrou ainda da importância de terem ido para os sets apenas aos domingos, que era quando aconteciam as peladas, pois assim tinham os outros dias para assistir ao material feito, discuti-lo e deixá-lo decantar. Todos concordaram que esse sistema de trabalho foi muito prazeroso e fértil, aproximando relações ao longo do processo. "O cinema é um pretexto pros encontros. Ele envolve esses afetos, é a vida pulsando e te dizendo para onde você pode ir, onde descobrir os caminhos do filme. O cinema eu faço com o coração e a intuição, faço pra tentar entender o que ele é, vou perseguindo as imagens, os sons, buscando a singularidade deles", falou o diretor. Renato Vallone, editor, sublinhou como ele se sentiu privilegiado de ter recebido uma quantidade tão vasta e bonita de material bruto para montar, e comparou o trabalho à lapidação de um diamante.

Rocha revelou planos de aprofundar sua pesquisa e de seguir com uma série televisiva que também utilize o material. Falou, ainda, que depois do Festival do Rio Campo de jogo seguirá sua trajetória viajando para outros estados e para o exterior. Ao final do encontro, Dibel e todos que estavam presentes no debate agradeceram à equipe pela obra e pelo seu engajamento com o real e com a beleza do futebol.


Texto: Juliana Shimada

Fotos: Luiza Andrade





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