Ainda Não É Amanhã: drama apresenta história sobre aborto com empatia e densidade emocional Filme pernambucano integra a competição da mostra Novos Rumos e marca a estreia de Milena Times como diretora de um longa-metragem
Equipe de Ainda Não é Amanhã apresenta o filme em sessão do programa Première Brasil Debates - Foto: João Vitor Figueira
Por João Vitor Figueira
É sabido que, com ou sem legalização do aborto, mulheres de todas as crenças, origens e condições sociais buscam a interrupção voluntária da gravidez, movidas pelas mais diferentes razões. Contudo, para aquelas que precisam fazê-lo na clandestinidade, sem a proteção legal, o caminho se torna mais perigoso, trazendo consigo um peso emocional esmagador — além do risco à vida.
O filme Ainda Não é Amanhã, de Milena Times, convida o público a um mergulho delicado e profundo nas questões sociais e psicológicas que envolvem a trajetória de uma jovem da periferia que se vê grávida em um momento decisivo do início de sua fase adulta. O longa-metragem integra a competição da mostra Novos Rumos e foi exibido em uma sessão acompanhada de debate, no Estação NET Rio, na última terça-feira (8).
Ainda Não É Amanhã, de Milena Times
“A preparação foi um colírio para eu abrir os olhos e olhar para as mulheres que estavam ao meu lado”, afirmou Mayara Santos, protagonista do filme. Na conversa, a atriz contou que tinha 19 anos quando Ainda Não é Amanhã foi filmado e, apesar de já ter opinião formada sobre o tema do aborto, não achava que tinha repertório sobre o assunto. Durante a preparação para o filme, ela ouviu muitas histórias reais e notou que o aborto é uma experiência “mais comum do que a gente pensa”.
Santos interpreta Janaína, que divide o lar com sua mãe e avó na periferia do Recife, e carrega em seus ombros as esperanças de um futuro promissor para os seus. Iniciando sua jornada no curso de Direito, ela vislumbra o sonho de conquistar o primeiro diploma universitário da família, mas a gravidez indesejada se apresenta como uma pedra em seu caminho. Em segredo, ela busca uma maneira de interromper a gravidez, contando apenas com a ajuda de uma amiga próxima, que a acolhe. A trama também constrói um paradoxo da aluna de direito que não conta com o amparo da lei em um momento tão desafiador.
Ainda Não É Amanhã, de Milena Times
A pesquisadora Natasha Nery, que mediou o debate, celebrou a maneira como o filme explora o processo íntimo de Janaína com uma vagarosidade que convida o público a compreender melhor o estado psicológico da personagem. “Esse filme poderia ter uma pressa de pautar a necessidade da legalização do aborto, mas vocês olham para isso com muita maturidade, de uma maneira profunda”, comentou.
Milena Times trabalha com cinema desde 2007 e já atuou como primeira assistente de direção em produções como A Febre, de Maya Da-Rin, e Aquarius, de Kleber Mendonça Filho. Ao lado de Hilton Lacerda, dirigiu a série Chão de Estrelas para o Canal Brasil. Ainda Não é Amanhã, que é fruto de um trabalho que levou seis anos para ficar pronto, marca a primeira experiência de Times como diretora de um longa-metragem.
Ainda Não É Amanhã, de Milena Times
“Ser mulher e fazer o primeiro filme passa sempre pelo desafio de vencer a insegurança que incutem a vida inteira na gente”, refletiu a cineasta, pontuando que diretores homens não lidam com essa pressão na mesma intensidade para provarem seu valor atrás das câmeras. Além disso, suas experiências em sets de filmagens majoritariamente masculinos a fez notar dinâmicas que ela não gostaria de repetir em seu filme, o que a fez buscar trabalhar com uma equipe quase que inteiramente feminina para explorar um processo de filmagem que acredita “ser mais saudável e interessante”.
Linga Acácio, diretora de fotografia, pontuou que esse ambiente de acolhimento formado durante as gravações privilegiou a cumplicidade da equipe e ajudou a trazer para a tela um olhar com mais entrelinhas. Marina Kosa, montadora do filme, destacou que os planos mais longos ajudaram a humanizar a história de Janaína. “Foi muito natural dilatar esses tempos. Não faria sentido mostrar o aborto em si de uma maneira rápida. É importante trazer essa densidade para o filme”, avaliou.
Com estreia no circuito comercial de salas prevista para o primeiro semestre de 2026, o filme deve contar com sessões especiais em parcerias com universidades, associações e Terceiro Setor para criar “conversas de impacto”, adiantou a produtora Dora Amorim.
No final do debate, Milena Times relembrou de uma conversa que teve com um dos poucos homens da equipe que se mostrou muito emocionado com a jornada de Janaína. “É muito bom poder contar com esses outros olhares e perceber que você não precisa ser mulher para se identificar, se sensibilizar”, avalia a cineasta. “A gente parte desse universo particular, mas dialoga com qualquer pessoa sensível.”
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